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    Paul Krugman

    Que diabos, Escócia

    08/09/2014 11h31

    Na semana que vem, a Escócia realizará um referendo sobre deixar ou não o Reino Unido. E as pesquisas de opinião pública sugerem que o apoio à independência disparou nos últimos meses, em larga medida porque os ativistas da independência conseguiram reduzir o "fator medo" - ou seja, a preocupação quanto os riscos econômicos da separação. A esta altura, o resultado parece completamente indefinido.

    Bem, tenho uma mensagem para os escoceses: tenham medo. Tenham muito medo. Os riscos da separação são imensos. Você pode imaginar que a Escócia se tornaria um novo Canadá, mas o mais provável é que ela se transforme em uma nova Espanha - e sem o sol.

    Comparar Escócia e Canadá pareceria bastante razoável, à primeira vista. Afinal, o Canadá, como a Escócia, é uma economia relativamente pequena que realiza a maior parte de seu comércio com um vizinho muito maior. Também como a Escócia, o país está politicamente à esquerda de seu vizinho gigante. E o que o exemplo canadense demonstra é que isso pode funcionar.

    O Canadá é próspero, economicamente estável (embora a alta dívida domiciliar e o que parece ser uma grande bolha na habitação me preocupem) e seguiu, com sucesso, políticas bem à esquerda das adotadas ao sul da fronteira: cobertura universal de saúde oferecida pelo governo, assistência mais generosa aos pobres e tributação no geral mais elevada.

    Será que o Canadá paga um preço por sua independência? Provavelmente. A produtividade da mão de obra canadense é cerca de três quartos da registrada nos Estados Unidos, e parte da disparidade reflete o tamanho pequeno do mercado canadense (sim, temos um acordo de livre comércio, mas há muitas indicações de que as fronteiras desencorajam o comércio, ainda assim). De qualquer forma, é possível alegar que o Canadá está se saindo bem.

    Mas o Canadá tem moeda própria, o que significa que seu governo não tem como ficar sem dinheiro, que é possível para ele resgatar os bancos do país, se necessário - e mais. Uma Escócia independente não estaria na mesma situação. E isso faz uma imensa diferença.

    Será que a Escócia poderia ter moeda própria? Talvez, ainda que a economia da Escócia seja ainda mais estreitamente integrada com a do restante do Reino Unido do que a canadense é integrada à dos Estados Unidos, o que dificultaria os esforços para manter uma moeda separada.

    Mas o argumento seria puramente hipotético: o movimento pela independência da Escócia deixou bem claro que pretende manter a libra esterlina como moeda nacional. E a combinação entre independência política e moeda compartilhada é uma receita para o desastre. É quanto a isso que a comparação cautelar com a Espanha se aplica.

    Se a Espanha e outros países que abriram mão de suas moedas para adotar o euro fossem parte de um sistema verdadeiramente federal, com instituições compartilhadas de governo, a recente história econômica espanhola teria sido bem parecida com a da Flórida.

    As duas economias experimentaram um imenso boom da habitação entre 2000 e 2007. As duas viram essa expansão se converter em uma espetacular contração. As duas sofreram acentuada desaceleração como resultado dessa contração. Nos dois lugares, a crise significou uma queda forte na arrecadação tributária e uma alta nos gastos como benefícios-desemprego e outras formas de assistência.

    Mas os caminhos das duas divergiram, depois disso. No caso da Flórida, a maior parte do ônus pela crise recaiu não sobre o governo local mas sobre Washington, que continuou a bancar os benefícios previdenciários e do programa federal de saúde Medicare no Estado, bem como boa parte do custo adicional da assistência aos desempregados.

    Houve grandes prejuízos com os empréstimos para habitação, e muitos bancos da Flórida faliram, mas boa parte do prejuízo ficou com as agências federais de empréstimo, e os depósitos bancários eram protegidos pelo seguro federal aos depositantes. É fácil compreender o quadro. Para todos os efeitos práticos, a Flórida recebeu ajuda em larga escala, em seu momento de necessidade.

    A Espanha, em contraste, teve de arcar sozinha com a contração no mercado da habitação. O resultado foi uma crise fiscal, tornada muito mais grave pelo medo de uma crise bancária que o governo espanhol seria incapaz de administrar, porque poderia literalmente esgotar seu caixa.

    Os custos de captação da Espanha dispararam, e o governo se viu forçado a impor medidas de austeridade brutais. O resultado foi uma horrenda depressão - o que inclui desemprego superior a 50% entre os jovens - da qual a Espanha mal começou a se recuperar.

    E o problema não ficou limitado à Espanha, mas afetou todo o sul da Europa, e mais. Mesmo países da zona do euro que tinham situação financeira sólida, como a Finlândia e a Holanda, sofreram desacelerações profundas e prolongadas.

    Em resumo, tudo que aconteceu na Europa desde 2009 ou pouco mais tarde demonstrou que compartilhar de uma moeda sem ter um governo compartilhado é muito perigoso.

    No jargão da economia, a integração fiscal e bancária é elemento essencial de uma zona monetária otimizada. E uma Escócia independente que usasse a libra esterlina como moeda estaria em situação ainda pior que os países da zona do euro, que ao menos influenciam em alguma medida a maneira pela qual o Banco Central Europeu (BCE) é gerido.

    Para mim, é espantoso que os escoceses considerem seguir esse caminho depois de tudo que aconteceu nos últimos anos. Se os eleitores escoceses realmente acreditam que é seguro se tornar um país independente sem moeda própria, eles estão sendo seriamente iludidos.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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