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    Paul Krugman

    China, carvão, clima

    14/11/2014 11h48

    É fácil ser cínico quanto a conferências de cúpula. Muitas vezes elas só servem para que os líderes posem para fotos, e as fotos da mais recente conferência do fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, que mostram líderes mundiais notavelmente parecidos com o elenco de "Jornada nas Estrelas", parecem especialmente repulsivas. Na melhor das hipóteses, esses eventos –quase sempre– são apenas ocasiões para
    anunciar formalmente acordos já negociados por funcionários de menor patente.

    De vez em quando, porém, algo de realmente importante emerge. E estamos vivendo um desses momentos: o acordo entre China e Estados Unidos quanto às emissões de carbono é de fato um assunto importante.
    Para compreender o motivo, primeiro é preciso compreender a defesa em profundidade que os grupos de interesses que protegem os combustíveis fósseis e seus leais servidores –entre os quais o Partido Republicano inteirinho, hoje em dia– ergueram contra qualquer ação para salvar o planeta.

    A primeira linha de defesa é a negação: não existe mudança no clima; isso é uma trapaça promovida por uma cabala que inclui milhares de cientistas em todo o mundo. Por mais bizarra que pareça, essa posição conta com poderosas adesões, entre as quais a do senador norte-americano James Inhofe, que em breve assumirá a presidência do Comitê de Obras Públicas e Meio Ambiente do Senado. De fato, alguns funcionários políticos eleitos fizeram todo o possível para promover uma caça às bruxas contra os cientistas do clima.

    Ainda assim, como jogada política, atacar cientistas tem efetividade limitada. Isso cai bem junto ao Tea Party, mas para o público mais amplo –e mesmo para os republicanos que não são membros do Tea Party– a ideia toda parece uma insana teoria da conspiração, porque é exatamente isso que ela é.

    A segunda linha de defesa envolve táticas de intimidação econômica: qualquer tentativa de limitar as emissões destruirá empregos e o crescimento. Esse argumento se acomoda muito mal à fé costumeira da direita no mercado; devemos acreditar que um mercado livre é capaz de transcender qualquer problema, e se adaptar e inovar de maneira ilimitada, mas que encolheria e sucumbiria caso fosse adaptada uma política pública que impõe um preço às emissões de carbono. Ainda assim, o que é ruim para os irmãos Koch com certeza deve ser ruim para os Estados Unidos, certo?

    Da mesma forma que a alegação quanto a uma vasta conspiração de cientistas, porém, o argumento quanto a um desastre econômico não tem muita força a não ser junto à base política direitista. Os líderes republicanos podem falar de uma "guerra contra o carvão" como se isso fosse automaticamente um ataque aos valores norte-americanos, mas a realidade é que a indústria do carvão emprega muito pouca gente.

    A verdadeira guerra contra o carvão, ou pelo menos contra os mineiros de carvão, foi travada pelos interesses da mineração a céu aberto e pelo gás natural, e está encerrada há muito tempo. E a proteção ao meio ambiente é bastante popular junto ao país como um todo.

    O que nos conduz à última linha de defesa, a alegação de que os Estados Unidos nada podem fazer quanto ao aquecimento global porque outros países, especialmente a China, continuarão a emitir mais e mais gases causadores do efeito estufa. Esse é o argumento padrão de organizações de pesquisa politizadas como o Cato Institute e dos sabichões conservadores.

    E é justo afirmar que qualquer pessoa que proponha ação contra a mudança climática tem a obrigação de explicar como trataríamos o problema da "carona", ou seja, dos países que se recusassem a conter suas emissões.

    Bem, existe uma boa resposta já disponível: tarifas por emissões de carbono impostas às exportações de países que se recusassem a participar do esforço para limitar emissões. Essas tarifas provavelmente nem mesmo requereriam mudança nas leis comerciais vigentes, e representariam poderoso estímulo para que os países renitentes aderissem ao programa. Ainda assim, até agora a sugestão de que a China poderia ser induzida a participar da proteção ao clima era, na melhor das hipóteses, apenas uma especulação bem fundamentada.

    Mas agora temos informações provindas diretamente da fonte: a China declarou sua intenção de limitar as emissões de carbono.

    Eu sei, eu sei. A terminologia empregada pelos chineses foi um tanto vaga, e os níveis de emissões pretendidos são muito mais altos do que os especialistas em meio ambiente desejam. De fato, mesmo que o acordo funcionasse exatamente como pretendido, o planeta ainda sofreria uma alta extremamente prejudicial em sua temperatura.

    Mas considere a situação. Os Estados Unidos não são exatamente o parceiro mais confiável nesse tipo de negociação, já que grupos que negam a mudança no clima controlam o Congresso e a única perspectiva de ação no futuro próximo, e talvez por muitos anos, dependeria de decretos do Executivo. (Para não mencionar a possibilidade de que o próximo presidente bem pode ser um inimigo do meio ambiente que reverteria tudo que o presidente Barack Obama venha a fazer.)

    Enquanto isso, a liderança chinesa precisa lidar com os nacionalistas do país, que odeiam qualquer sugestão de que o Ocidente dite políticas a uma nação recentemente
    transformada em superpotência. Assim, o que temos aqui é mais uma declaração de princípios do que uma formulação de futuras políticas.

    Mas o princípio que acaba de ser estabelecido é muito importante. Até agora, aqueles de nós que argumentavam que era possível induzir a China a aderir a um acordo internacional sobre o clima estavam apenas especulando. Agora os chineses mesmos disseram que estão de fato dispostos a negociar - e os oponentes de qualquer ação precisam alegar que eles não estão falando sério.

    Seria desnecessário dizer que não espero que os suspeitos habituais reconheçam que uma grande porção do argumento dos antiambientalistas acaba de desabar. Mas desabou. Esta foi uma boa semana para o planeta.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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