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    Paul Krugman

    Poluição e política

    28/11/2014 17h22

    No começo da semana, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos propôs regulamentações para reduzir as emissões do ozônio, causador do smog, para não mencionar asma, doenças cardíacas e mortes prematuras. E vocês sabem o que aconteceu: os republicanos saíram ao ataque, alegando que as novas regras imporiam enormes custos.

    Não existe razão para levar essas queixas a sério, pelo menos em termos de substância. Poluidores e seus amigos na política têm um histórico de avisar que o lobo está rondando sem que isso seja verdade. Não se cansam de insistir, repetidamente, que as empresas norte-americanas - em geral retratadas por eles como incansavelmente inovadoras e capazes de superar qualquer obstáculo - se veriam reduzidas a uma massa amorfa e inerte se solicitadas a limitar emissões. E repetidas vezes os custos se provaram muito menores do que eles previram. De fato, quase sempre ficaram abaixo das previsões da EPA.

    Assim, temos de novo a velha história. Mas por que, exatamente, ela sempre transcorre assim? É claro que os poluidores defenderão seu direito de poluir, mas por que sempre podem contar com o apoio dos republicanos? Quando e por que o Partido Republicano se tornou o partido da poluição?

    Pois as coisas nem sempre foram assim. A Lei do Ar Limpo de 1970, que serve de base legal às ações ambientais do governo Obama, foi aprovada pelo Senado com adesão dos dois partidos e por 73 votos a zero, e o presidente que a assinou foi Richard Nixon. (Já ouvi veteranos da EPA descrevendo os anos Nixon como era dourada.)

    Uma grande emenda à lei, que entre outras coisas tornou possível o sistema de licenciamento e negociação de direitos de emissão que limita a chuva ácida, foi assinada pelo presidente George Bush pai em 1990.

    Mas isso ficou no passado. O Partido Republicano atual está encarregando um proponente de teorias da conspiração que vê os estudos científicos do clima como "gigantesca trapaça" de presidir o Comitê de Meio Ambiente do Senado. E esse não é um caso isolado. A poluição se tornou uma questão partidária muito divisiva.

    E o motivo para que a poluição se tornasse partidária é que os republicanos se moveram para a direita. Uma geração atrás, a verdade é que o meio ambiente não era questão partidária; de acordo com a Pew Research, em 1992 esmagadoras maiorias em ambos os partidos favoreciam leis e regulamentação mais severas. De lá para cá, as opiniões dos democratas não mudaram, mas o apoio republicano à proteção ambiental despencou.

    O que explica esse mudança antiambiental?

    A tentação poderia ser simplesmente a de culpar a influência do dinheiro sobre a política, e não a questão de que enormes volumes de dinheiro doado pelos poluidores alimentam o movimento antiambientalista em todos os níveis. Mas isso não explica por que o dinheiro das indústrias mais prejudiciais ao meio ambiente, que antes fluía para os dois partidos, agora flui esmagadoramente em uma só direção. Um exemplo é a mineração de carvão.

    No começo dos anos 1990, de acordo com o Center for Responsive Politics, o setor favorecia os republicanos por margem modesta, e doava cerca de 40% de suas verbas políticas aos democratas. Hoje a proporção deles é de apenas 5%. Os gastos políticos do setor de petróleo e gás seguiram a mesma trajetória. Uma vez mais, o que mudou?

    Uma resposta pode ser a ideologia. Os manuais de Economia não são inimigos do meio ambiente; afirmam que a poluição deve ser limitada, ainda que de maneira favorável ao mercado quando possível. Mas o movimento conservador moderno insiste em que o governo é sempre um problema e nunca a solução, o que cria a vontade de acreditar que os problemas ambientais são falsos e que a política ambiental terminará por prejudicar a economia.

    Meu palpite, porém, é que ideologia é apenas parte da história; ou mais acuradamente, ela é um sintoma da causa subjacente dessa divisão: a ascensão da desigualdade.

    A história básica da polarização política nas últimas décadas é a de que uma minoria rica se afastou economicamente do resto do país, e arrastou um dos grandes partidos com ela. É verdade que os democratas também atendem com frequência aos interesses do 1%, mas os republicanos o fazem sempre.

    Qualquer política que beneficie os norte-americanos de renda baixa e média à custa da elite - como a reforma da saúde, que garante planos de saúde a todos e paga por essa garantia em parte por meio de impostos sobre as rendas mais altas - enfrentará amarga oposição republicana.

    E a proteção ambiental é, em parte, uma questão de classe, mesmo que em geral não pensemos nela dessa maneira. Todo mundo respira o mesmo ar, de modo que os benefícios do controle da poluição se distribuem de maneira mais ou menos igual pela população. Mas a propriedade de, digamos, ações em companhias de carvão se concentra em poucas, e ricas, mãos. Mesmo que os custos do controle de poluição sejam repassados na forma de aumento de preços, os ricos são diferentes de você e de mim. Gastam muito mais dinheiro, e portanto arcarão com parcela maior dos custos.

    No caso do novo plano sobre o ozônio, a análise da EPA sugere que, para o norte-americano médio, o benefício da medida seria duas vezes superior ao custo. Mas isso não necessariamente importa aos norte-americanos não médios que direcionam as prioridades de um dos grandes partidos. Quanto ao ozônio, como quanto a quase todas as coisas hoje em dia, a desigualdade é tudo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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