• Colunistas

    Wednesday, 01-May-2024 20:44:54 -03
    Paul Krugman

    Recuperação, enfim?

    08/12/2014 13h36

    Na semana passada, os números anunciados sobre o emprego nos Estados Unidos foram verdadeiramente bons –o relatório talvez possa ser considerado o melhor em muito, muito tempo. A economia dos Estados Unidos criou mais de 300 mil empregos em novembro; os salários, depois de muito tempo estagnados, se recuperaram um pouco. Outros indicadores, como o ritmo de demissões voluntárias de trabalhadores (o que indica que esperam encontrar novos empregos), continuam a melhorar. Ainda não estamos nem perto do pleno emprego, mas chegar lá já não parece um sonho impossível.

    E há algumas lições importantes a extrair dessa má notícia tardia. Ela não só não confirma as políticas que permitiram sete anos e mais de rendas e emprego deprimidos, como nega algumas das tolices que costumamos ouvir sobre os motivos para a demora na recuperação econômica.

    Vamos falar primeiro sobre os motivos para não celebrar.

    As coisas por fim começam a parecer melhores para os trabalhadores dos Estados Unidos, mas essa melhora só surgiu depois de anos de sofrimento, com o desemprego em longo prazo, especialmente, atingindo marcas não vistas desde os anos 30. Milhões de famílias perderam suas casas, suas poupanças ou as duas coisas. Muitos norte-americanos jovens concluíram seus cursos superiores em um mercado de trabalho que não tinha demanda pela capacitação que adquiriram, e jamais realizarão o percurso de carreira que poderiam ter realizado de outra forma.

    E a longa desaceleração não prejudicou apenas as famílias. Também causou grande estrago em nossas perspectivas econômicas de longo prazo. As estimativas sobre o potencial da economia –o volume que ela poderá produzir quando e se por fim atingir o pleno emprego– passaram por sucessivas reduções nos últimos anos, e muitos pesquisadores acreditam, hoje, que essa desaceleração mesma prejudicou o potencial econômico do futuro.

    Ou seja, tivemos sete anos terríveis, e mesmo uma sucessão de indicadores positivos sobre o emprego não bastará para desfazer o estrago. Por que a crise foi tão ruim?

    É comum ouvir, muitas vezes da parte de sabichões que deveriam ter mais noção do que dizem, a afirmação de que ninguém previu uma recuperação lenta, e que isso prova que a corrente dominante na macroeconomia estava errada. A verdade é que muitos economistas, entre os quais me incluo, previram uma recuperação lenta desde o começo. Por quê?

    A resposta, em resumo, é que há recessões e há recessões. Algumas recessões são deliberadamente engendradas para esfriar uma economia inflacionada e superaquecida. Por exemplo, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) causou a recessão de 1981-1982 com uma política de aperto monetário que por um breve período levou os juros para perto de 20%. E pôr fim àquela recessão foi difícil: quando o Fed chegou à conclusão de que já havíamos sofrido o bastante, decidiu ceder, as taxas de juros despencaram e a manhã surgiu nos Estados Unidos.

    Mas as recessões "pós-modernas", como as crises de 2001 e de 2007-2009, refletem o estouro de bolhas econômicas, e não um aperto monetário, e terminá-las é difícil; mesmo que o Fed reduza os juros até o zero, pode constatar certa impotência, e que suas ações não têm grande efeito positivo. Como resultado, não se deveria esperar uma recuperação em forma de V, como a de 1982-1984 –e de fato não foi isso que tivemos.

    Isso não significa que estivéssemos condenados a sete anos de queda. Poderíamos ter conseguido recuperação muito mais rápida se o governo tivesse acelerado o investimento público e colocado mais dinheiro nas mãos das famílias para que o gastassem. Mas o pacote de estímulo de Obama foi pequeno demais e curto demais –como muitos de nós alertamos seria, desde o início– e de 2010 para cá o que vimos na realidade, graças às táticas de terra arrasada que a oposição republicana adotou em todas as frentes, foram cortes sem precedentes nos gastos do governo, especialmente no investimento, e no número de funcionários públicos.

    Bem, a esta altura estou certo de que muitos leitores estarão pensando que ouviram história muito diferente sobre o que saiu errado –a história conservadora que atribui a lentidão na recuperação à terrível, horrenda, imprestável postura do governo Obama. De acordo com essa história, o presidente assustou os homens de negócios ao criticar os magnatas de Wall Street, e encará-los com reprovação. E a reforma da saúde promovida por Obama também custou empregos, certo?

    E é aí que entram os novos números. A esta altura, temos dados suficientes para comparar a recuperação no emprego sob a presidência de Obama à recuperação no emprego sob a presidência de George W. Bush, que também teve de administrar uma recessão pós-moderna mas com certeza não criticou os magnatas. E sob qualquer indicador que você queria usar –mas especialmente a criação de empregos no setor privado–, a recuperação conseguida por Obama foi maior e mais rápida. E seu ritmo se acelerou ainda mais no último ano, depois que a reforma da saúde entrou plenamente em vigor.

    Para ser bem claro, não estou classificando a economia da era Obama como história de sucesso. Precisávamos de crescimento mais rápido no emprego, sob Obama, do que precisamos na era Bush, e o desemprego se manteve alto demais por tempo demais. Mas agora podemos afirmar com confiança que a fraqueza da recuperação nada teve a ver com a suposta (e falsa) oposição de Obama aos homens de negócios. O que ela refletiu, em lugar disso, foi o dano causado pela paralisia do governo –uma paralisia que, infelizmente, recompensou regiamente os políticos que a causaram.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024