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    Paul Krugman

    Máquina do tempo vodu

    09/01/2015 11h44

    Muita gente, no ramo da economia, estava imaginando como os novos líderes do Congresso responderiam ao avanço acentuado no crescimento dos Estados Unidos que, agora sabemos, começou no segundo trimestre. Depois de anos insistindo em que o presidente Barack Obama era responsável pela fraqueza da economia, eles não poderiam dizer a verdade –que o desempenho econômico em curto prazo pouco tem a ver com quem ocupe a Casa Branca. O que eles diriam, então?

    Bem, essa eu não previa: eles estão assumindo o crédito pelo resultado. Pouco importa que todos os dados favoráveis se refiram ao período anterior à eleição legislativa do ano passado. Mitch McConnell,o novo líder da maioria republicana no Senado, diz que foi tudo obra dele, e que o crescimento reflete "a expectativa sobre um novo Congresso republicano".

    A resposta do Comitê Nacional do Partido Democrata –"hahahahahaha!"– parece perfeita. Estamos diante de um exemplo insuperável de vodu econômico. McConnell está alegando não só que é capaz de criar prosperidade sem aprovar qualquer projeto de lei, mas que é capaz de voltar no tempo e criar prosperidade antes mesmo de assumir o poder. Mas embora as pretensões exageradas de McConnell sejam engraçadas, elas também assustam, porque representam um sintoma do fechamento epistêmico de seu partido. Os republicanos acreditam que muitas coisas que não são verdade sejam verdade, e jamais serão convencidos a mudar de ideia, não importa o volume de provas em contrário.

    Pelo menos McConnell não fez o que muitos de seus colegas fazem quando precisam encarar fatos inconvenientes: recorrer a teorias de conspiração.

    Considere, por exemplo, a forma pela qual alguns republicanos lidaram com as boas notícias sobre a reforma da saúde. Antes que o Obamacare entrasse em vigor, eles insistiam, esmagadoramente, em que mais pessoas perderiam planos de saúde do que adquiririam nova cobertura. E é claro que ficaram deliciados com os problemas técnicos que paralisaram o site do programa, inicialmente. Mas os problemas foram resolvidos, e o número de inscrições disparou.

    A resposta deles? "Os números estão sendo manipulados", declarou o senador John Barrasso, do Wyoming, o novo presidente do Comitê de Política Republicano do Senado.

    Mas isso ficou no passado. Agora temos múltiplas confirmações independentes –a mais recente em pesquisa do instituto Gallup– de que o Obamacare expandiu dramaticamente o número de pessoas dotadas de cobertura de saúde. E o que os republicanos dizem, diante disso? A lei "desabará sob seu próprio peso", diz o deputado Paul Ryan, novo presidente do Comitê de Alocações Orçamentárias da Câmara.

    Falando em Ryan: quase quatro anos se passaram desde que ele e muitos outros integrantes de seu partido detonaram Ben Bernanke, então chairman do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), por políticas que, segundo eles, resultariam em alta inflação e na "deterioração do dólar". A inflação jamais se materializou, e o dólar só ganhou força, mas Ryan não mostra sinais de que tenha aprendido humildade –e muitos conservadores, entre os quais intelectuais favorecidos pela direita como Niall Ferguson, de Harvard, alegam que só eles sabem "a verdade sobre a inflação", insistindo em que o governo está escondendo uma alta de preços.

    Oh, e a Europa, cujo banco central, ao contrário do Fed de Bernanke, aceitou esses alertas sobre a inflação e elevou as taxas de juros em 2011, agora está vivendo deflação aberta, com implicações aterrorizantes para suas perspectivas políticas e econômicas.

    E há a mudança do clima. Parece que 2014 foi o ano mais quente de todos os tempos, o que deveria bater a porta na cara das tolas alegações de que o aquecimento global parou. Mas isso pouco importará para o senador James Inhofe, que agora preside um comitê crucial sobre o meio ambiente e insiste há muito em que as conclusões científicas sobre esse assunto são uma tramoia dos progressistas.

    É fato que todo mundo faz previsões que terminam negadas pelos fatos; o mundo é complicado, e ninguém é perfeito. O ponto, porém, é que o Congresso dos Estados Unidos agora está sob o controle de homens que nunca admitem erros, quanto mais aprendem com eles.

    Em alguns casos, eles talvez nem saibam que estavam errados. Afinal, a mídia noticiosa conservadora não é exatamente conhecida pelo equilíbrio em sua cobertura; se o quadro que você tem sobre o desempenho da reforma da saúde se baseia na Fox News, provavelmente você imagina que ela foi um imenso desastre, ainda que a realidade seja a de um sucesso que surpreendeu até os proponentes da lei.

    O ponto mais importante, porém, é que estamos diante de uma subcultura política na qual preceitos ideológicos não devem ser questionados, de maneira alguma. A teoria econômica do supply-side é válida não importa o que aconteça na economia, o seguro-saúde garantido deve ser um fracasso mesmo que esteja funcionando, e qualquer pessoa que aponte para fatos incômodos por definição deve ser um inimigo.

    E não estamos falando de figuras marginalizadas. Às vezes surgem alegações de que a elite tradicional do Partido Republicano está voltando, que os extremistas do Tea Party estão acossados e que poderemos voltar à cooperação entre os partidos. Mas isso é fantasia. Não será possível haver cooperação significativa se não houver acordo sobre o que é real, e no momento até mesmo as figuras da elite tradicional do Partido Republicano acreditam, para todos os fins, que os fatos favorecem indevidamente uma visão progressista.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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