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    Paul Krugman

    Pondo fim ao pesadelo da Grécia

    26/01/2015 11h53

    Alexis Tsipras, líder da coalizão de esquerda Syriza, está a ponto de se tornar primeiro-ministro da Grécia. Será o primeiro líder europeu eleito com a promessa explícita de desafiar as políticas que austeridade que prevalecem desde 2010. E com certeza haverá muita gente o aconselhando a abandonar sua promessa, e a se comportar de modo "responsável".

    Como é que essa responsabilidade vem se saindo, até agora?

    Para compreender o terremoto político na Grécia, ajuda se considerarmos o acordo de "crédito standby" entre a Grécia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2010, sob o qual a chamada troika –FMI, Banco Central Europeu (BCE) e a Comissão Europeia– concederia empréstimos ao país em troca de uma combinação de reformas e medidas de austeridade.

    É um documento notável –e no pior sentido do termo. A troika, fingindo ser dura e realista, na verdade estava promovendo uma fantasia econômica. E o povo grego vem pagando por essas ilusões da elite.

    O fato é que as projeções econômicas que acompanhavam o acordo standby supunham que a Grécia imporia medidas duras de austeridade com pouco efeito sobre o crescimento e o emprego.

    A Grécia estava em recessão quando o acordo foi assinado, mas as projeções presumiam que essa desaceleração terminaria logo –que haveria uma pequena contração em 2011 e que em 2012 a Grécia estaria em recuperação. As projeções admitiam que o desemprego subiria substancialmente, de 9,4% em 2009 a quase 15% em 2012, mas em seguida começaria a cair rapidamente.

    O que aconteceu na realidade foi um pesadelo humano e econômico. Longe de terminar em 2011, a recessão grega ganhou ímpeto. A Grécia só chegou ao fundo do poço em 2014, e àquela altura o país já tinha passado por uma recessão violenta, com o desemprego atingindo 28% entre a população geral e quase 60% entre os jovens.

    E a recuperação que está em curso no momento, se é que merece esse nome, parece quase invisível e não oferece perspectiva de retorno ao padrão de vida existente antes da crise, pelo menos no futuro previsível.

    O que houve de errado? Costumo encontrar com frequência afirmações de que a Grécia na verdade não cumpriu suas promessas, e não impôs os cortes de gastos que constavam do acordo. Nada poderia estar mais distante da verdade. O fato é que a Grécia impôs cortes selvagens nos serviços públicos, nos salários dos trabalhadores do governo e nos benefícios sociais.

    Graças a medidas adicionais de austeridade impostas em ondas sucessivas, os gastos públicos foram cortados de maneira muito mais profunda que o programa original previa, e no momento são 20% mais baixos do que em 2010.

    E no entanto os problemas da Grécia parecem hoje até piores do que eram quando o programa começou. Um motivo é que o mergulho da economia reduziu a arrecadação. O governo grego vem recolhendo em forma de impostos uma proporção muito mais alta do Produto Interno Bruto (PIB) do que costumava ser o caso antes da crise, mas o PIB caiu tão rápido que a arrecadação geral se reduziu.

    Além disso, a queda do PIB fez com que um indicador crucial –a razão entre dívida e PIB–continuasse a subir mesmo que a aceleração do endividamento tenha se reduzido e que em 2012 a Grécia tenha se beneficiado de medidas modestas de redução de sua dívida.

    Por que as projeções originais eram tão absurdamente otimistas? Como eu disse, porque autoridades econômicas supostamente sóbrias na verdade estavam envolvidas em uma fantasia econômica.

    Tanto a Comissão Europeia quanto o BCE decidiram acreditar na fadinha da confiança –ou seja, alegar que o efeito de destruição direta de empregos dos cortes de custos seria mais que compensado por um avanço no otimismo do setor privado. O FMI demonstrou mais cautela, mas mesmo assim subestimou grosseiramente o estrago que a austeridade poderia causar.

    E eis a questão: se a troika tivesse sido verdadeiramente realista, teria reconhecido que estava exigindo o impossível. Dois anos depois que o programa grego começou, o FMI saiu em busca de exemplos históricos de programas ao modo do imposto à Grécia, ou seja, tentativas de pagar dívidas por meio de medidas de austeridade, sem perdão substancial de dívidas ou sua redução por inflação, que tivessem obtido sucesso. E encontrou nenhum.

    Assim, agora que Tsipras venceu, e venceu com autoridade, as autoridades da Europa fariam bem em abandonar os sermões nos quais solicitarão que ele aja com responsabilidade e siga o programa. O fato é que elas não têm credibilidade alguma; o programa que impuseram à Grécia jamais fez sentido. Não tinha a menor chance de funcionar.

    Na verdade, o problema dos planos do Syriza é que eles talvez não sejam tão radicais quanto precisariam. O perdão de dívidas e um relaxamento da austeridade aliviariam as dores econômicas, mas é duvidoso que bastariam para produzir uma forte recuperação. Por outro lado, não está claro o que mais o governo grego poderia a fazer a não ser que esteja disposto a abandonar o euro, e o público da Grécia não está pronto para isso.

    Ainda assim, ao apelar por uma grande mudança, Tsipras está sendo muito mais realista do que as autoridades econômicas que desejam que a surra continue até que o moral melhore. O resto da Europa deveria lhe dar a chance de pôr fim ao pesadelo de seu país.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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