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    Paul Krugman

    A desculpa esfarrapada do longo prazo

    02/02/2015 16h46

    Na segunda-feira, o presidente Barack Obama apelará por um aumento significativo de gastos, revertendo os severos cortes dos últimos anos. Ele não conseguirá tudo que está pedindo, mas é um passo na direção certa. E marca uma mudança bem vinda no discurso público.

    Talvez Washington esteja enfim começando a superar sua obsessão míope e irresponsável com os problemas de longo prazo e começando a lidar com a difícil questão da gratificação instantânea. Está bem, fui engraçadinho para conquistar sua atenção. Mas estou falando sério.

    É costume dizer que o problema das autoridades políticas é que elas estão preocupadas demais com a próxima eleição e por isso buscam soluções de curto prazo, ignorando o futuro mais distante. Mas a história da política econômica e do discurso público nos últimos cinco anos é exatamente a oposta.

    Pense nisso: diante de desemprego em massa e do enorme desperdício que ele acarreta, a elite de Washington por anos dedicou toda a sua energia não a prometer recuperação, mas ao discurso em modo Bowles-Simpson: promover "grandes pactos" que tratariam dos problemas supostamente urgentes de como custearemos a Previdência Social e o programa federal de saúde Medicare dentro de duas décadas.

    E essa preocupação bizarra com o longo prazo não é nem mesmo um fenômeno exclusivo dos Estados Unidos. Tente falar sobre os danos causados pelas políticas de austeridade europeias e o mais provável é que você receba uma lição de moral sobre a necessidade de discutir, isso sim, as reforças estruturais de longo prazo.

    Se você tenta discutir os esforços do Japão para escapar à armadilha deflacionária na qual o país está preso há décadas, certamente encontrará o contra-argumento de que política fiscal e monetária são questão secundárias, e que a desregulamentação e outras questões estruturais são mais importantes.

    Estou com disso querendo dizer que o longo prazo não importa? Claro que não, ainda que algumas formas de obsessão pelo longo prazo não façam sentido nem mesmo dentro de seus parâmetros. Pense sobre a ideia de "reforma de benefícios" como uma prioridade urgente.

    É verdade que muitas projeções sugerem que nossos grandes programas de previdência social enfrentarão dificuldades financeiras no futuro (ainda que a dramática desaceleração na alta dos custos de saúde torne incerta até mesmo essa proposição). Se for esse o caso, em algum momento teremos de cortar benefícios. Mas por que, exatamente, é crucial que enfrentemos a ameaça de futuros cortes de benefícios por meio de planos que garantam já desde agora o corte futuro de benefícios?

    De qualquer jeito, mesmos nos casos em que as questões de longo prazo são reais, é realmente estranho até que ponto elas se tornaram centrais nos últimos anos. Estamos, afinal, ainda enfrentando as consequências de uma crise financeira grave como não víamos há três gerações.

    Os Estados Unidos parecem enfim estar se recuperando - mas os adeptos de Bowles-Simpson exerceram sua maior influência exatamente no momento em que a economia dos Estados Unidos estava atolada em uma severa desaceleração.

    A Europa mal se recuperou, e existem provas esmagadoras de que as políticas de austeridade foram o principal motivo para o desastre em curso. Assim, por que a pressa em mudar de assunto e falar de reforma estrutural? A resposta, eu gostaria de sugerir, é preguiça intelectual e falta de coragem moral.

    Quanto à preguiça: muita gente sabe o que John Maynard Keynes disse sobre o longo prazo, mas nem tantos estão cientes do contexto. Eis o que ele realmente escreveu: "Mas esse longo prazo é um guia falso quanto aos assuntos correntes. Em longo prazo, todos estaremos mortos. Os economistas se propõem uma tarefa fácil demais, e inútil demais, se em uma temporada de tempestades eles só puderem nos dizer que, quando a tempestade passar, o oceano estará calmo uma vez mais".

    De fato. É comum, ou assim me parece, que pessoas que insistem que as questões de austeridade e estímulo são desimportantes estejam na verdade tentando evitar a dificuldade de pensar sobre a natureza do desastre econômico que se abateu sobre porção tão grande do planeta.

    E elas também estão tentando evitar assumir uma posição que as exporia a ataques. Discussões sobre política monetária e fiscal em curto prazo são politicamente difíceis. Se você se opuser à austeridade e apoiar a expansão monetária, será criticado pela direita; se fizer o oposto, será criticado e talvez ridicularizado pela esquerda.

    Entendo porque é tentador descartar todo esses debate e declarar que as questões realmente importante são as de longo prazo. Mas embora as pessoas que digam coisas como essas gostem de posar como corajosas e responsáveis, elas na verdade estão se escondendo das questões difíceis - o que significa que estão sendo covardes e irresponsáveis.

    E isso me leva de volta ao novo orçamento do presidente. Não seria preciso dizer que as propostas fiscais de Obama, como tudo que ele faz, serão atacadas pelos republicanos. Mas ele também deve enfrentar críticas de pessoas que se dizem centristas e o acusarão de irresponsavelmente abandonar a luta contra os deficit orçamentários de longo prazo.

    Por isso é importante compreender quem está sendo realmente irresponsável, aqui. No ambiente econômico e político atual, pensar no longo prazo é uma desculpa esfarrapada, uma maneira de evitar assumir uma posição. E é refrescante ver sinais de que Obama está disposto a romper com a turma do longo prazo e encarar o aqui e agora.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI.

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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