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    Paul Krugman

    A era dourada de Israel

    16/03/2015 16h13

    Por que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, de Israel, sente a necessidade de manipular as coisas em Washington? Pois era isso, claro, que ele estava fazendo em seu discurso anti-iraniano ao Congresso. Se você deseja influenciar seriamente a política externa dos Estados Unidos, não deveria insultar o presidente e, com isso, se alinhar abertamente à oposição política do país. Não. O verdadeiro propósito do discurso era distrair o eleitorado israelense, por meio de retórica bombástica e belicosa, quanto à insatisfação econômica que, sugerem as pesquisas de opinião pública, bem pode tirar Netanyahu do poder na eleição da terça-feira.

    Mas calma lá: por que os israelenses estão descontentes? Afinal, de acordo com os indicadores usuais, a economia israelense vem apresentando bom desempenho. Suportou a crise financeira com danos mínimos. Em longo prazo, vem crescendo mais rápido do que a maioria das economias avançadas, e o país se transformou em uma potência tecnológica. Que motivos existem para queixa?

    A resposta, que eu não creio seja apreciada em suas verdadeiras dimensões pelos norte-americanos, é que embora a economia israelense tenha crescido, o processo veio acompanhado por uma perturbadora transformação na distribuição de renda e na sociedade do país. No passado, Israel foi um país de ideais igualitários - a população dos kibbutzim sempre foi uma pequena minoria no país, mas tinha impacto forte sobre a percepção dos israelenses quanto a eles mesmos.

    E a sociedade do país era de fato bastante igualitária, até o começo dos anos 90. Desde então, porém, Israel passou por um alargamento dramático da disparidade de renda. Indicadores cruciais de desigualdade dispararam. Israel agora está perto dos Estados Unidos como uma das sociedades mais desiguais entre os países de economia avançada. E a experiência de Israel demonstra que isso importa, que a extrema desigualdade tem efeito corrosivo sobre a vida social e política.

    Considere o que aconteceu nas duas pontas do espectro de renda - o avanço da pobreza, de um lado, e da riqueza extrema, do outro.

    De acordo com dados do Estudo de Rendas do Luxemburgo, a proporção da população israelense que vive com renda inferior à média do país - uma definição amplamente aceita de pobreza relativa - dobrou, de 10,2% para 20,5%, de 1992 a 2010. A proporção de crianças vivendo na pobreza quase quadruplicou, de 7,8% a 27,4%. Os dois números são os piores entres os países de economia avançada, por larga margem.

    E quando o assunto são crianças, especialmente, a pobreza relativa é o conceito correto. Famílias que vivem com renda muito mais baixa que a de seus compatriotas serão alienadas, de muitas maneiras importantes, da sociedade que as cerca, e não poderão participar plenamente da vida da nação. As crianças que crescerem como parte dessas famílias certamente viverão em desvantagem permanente.

    Na ponta oposta, embora os dados disponíveis - de forma intrigante - não mostrem que o 1% de israelenses mais ricos acumula proporção muito alta da renda nacional, existe uma concentração extrema de riqueza e poder nas mãos das pouquíssimas pessoas que estão no topo da distribuição de renda. E quero dizer pouquíssimas, de fato - de acordo com o Banco de Israel, cerca de 20 famílias controlam empresas que respondem por metade do valor total do mercado de ações israelenses. A natureza desse controle é complicada e obscura, e funciona por meio de "pirâmides" por meio das quais uma família controla uma empresa que por sua vez controla outras empresas e assim por diante. Ainda que o Banco de Israel seja circunspecto em sua linguagem, está claramente preocupado com o potencial que essa concentração excessiva de controle gere vantagens indevidas.

    Mas por que a desigualdade em Israel é uma questão política? Porque não precisava ser tão extrema.

    Seria possível pensar que a desigualdade israelense é resultado natural de uma economia de alta tecnologia que gera forte demanda por mão de obra de alta capacitação - ou talvez que seja reflexo das populações minoritárias de baixa renda, a saber os árabes e os judeus ultraortodoxos. Mas a verdade é que esses índices de pobreza muito altos refletem em geral escolhas políticas: Israel faz menos do que qualquer outro país avançado para tirar seu povo da pobreza - sim, menos até do que os Estados Unidos.

    Enquanto isso, os oligarcas de Israel devem sua posição não à inovação e ao empreendedorismo, mas ao sucesso de suas famílias em tomar o controle de empresas que o governo privatizou nos anos 80 - e é possível argumentar que eles retêm essa posição apenas por exercer influência indevida sobre a política do governo, e por controlarem os grandes bancos do país.

    Em resumo, a economia política da terra prometida agora se caracteriza pela extrema dureza entre as pessoas mais pobres e no mínimo por uma corrupção branda no topo. E muitos israelenses veem Netanyahu como parte do problema. Ele defende políticas de livre mercado; e, como Chris Christie, [governador do Estado de Nova Jersey], tende a viver no luxo à custa dos contribuintes enquanto finge desajeitadamente que não é isso que acontece.

    Por isso, Netanyahu tentou mudar o tema, da desigualdade interna para a ameaça externa, tática que aqueles que recordam os anos Bush verão como muito familiar. Descobriremos na terça-feira se ele conseguirá o que pretende.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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