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    Paul Krugman

    Grécia à beira do abismo

    20/04/2015 11h31

    "Você não acha que eles querem que a gente fracasse?"

    Essa foi a pergunta que ouvi repetidamente durante uma breve mas intensa visita a Atenas. Minha resposta foi a de que não existe um "eles" –que a Grécia na realidade não enfrenta um bloco sólido de credores implacáveis que prefeririam ver uma moratória do país e sua saída do euro a testemunhar o sucesso de um governo de esquerda, e que do outro lado da mesa existe mais boa vontade do que muitos gregos supõem.

    Mas é compreensível que os gregos vejam as coisas dessa maneira. E retornei dessa visita temeroso que a Grécia e a Europa sofram um terrível acidente, uma ruptura desnecessária que lançará sombras longas sobre seu futuro.

    A história, até aqui: no final de 2009, a Grécia estava enfrentando uma crise propelida por dois fatores –alta dívida e custos e preços inflacionados que reduziam a competitividade do país.

    A Europa respondeu com empréstimos que mantiveram o caixa grego solvente, mas apenas sob a condição de que a Grécia adotasse políticas econômicas extremamente dolorosas. Elas incluíam cortes de gastos e aumentos de impostos que, se aplicados na mesma proporção aos Estados Unidos, envolveriam valor de US$ 3 trilhões anuais.

    Também houve cortes de salários em uma escala difícil de conceber, com uma redução média de 25% nos vencimentos ante seu pico.

    Esses imensos sacrifícios supostamente deveriam produzir recuperação. Em lugar disso, a destruição do poder aquisitivo aprofundou a crise, criando sofrimento em escala semelhante ao da Grande Depressão e severos problemas humanitários.

    No sábado, visitei num abrigo de moradores de rua, e ouvi histórias dolorosas sobre um sistema de saúde em colapso, e pacientes recusados por hospitais por não poderem pagar uma taxa de atendimento de cinco euros, ou recebendo alta sem medicação porque os estoques das clínicas se esgotaram e elas não têm caixa para o repor; e muito mais.

    A situação vem sendo um pesadelo interminável, e mesmo assim a elite política grega, determinada a se manter parte da Europa e temerosa das consequências de uma moratória e do abandono do euro, manteve sua adesão ao programa imposto pelos credores ano após ano. Por fim, o público grego não conseguia suportar mais. Porque os credores estavam exigindo ainda mais austeridade –em uma escala que bem poderia derrubar a economia em mais 8% e empurrar o desemprego a 30%—, o país votou no Syriza, um movimento genuinamente de esquerda (e não de centro-esquerda), que prometeu mudar o rumo do país. Será que é possível evitar uma saída grega do euro?

    Sim, é. A ironia da vitória do Syriza é que ela surgiu bem no momento em que um compromisso funcional pode ser possível.

    O ponto chave é que sair do euro seria extremamente dispendioso e perturbador para a Grécia, e representaria imensos riscos políticos e financeiros para o resto da Europa. Portanto, isso é algo a evitar se existir qualquer alternativa mesmo que meio decente. E existe, ou deveria existir.

    Pelo final de 2014, a Grécia havia conseguido registrar um modesto superávit orçamentário "primário", com a arrecadação tributária superando os gastos –excluídos os pagamentos de juros. Isso é tudo que os credores podem exigir, se forem razoáveis, porque não há como tirar sangue da pedra. Enquanto isso, todos aqueles cortes de salários tornaram a Grécia competitiva no mercado mundial– ou tornariam, se fosse possível restaurar a estabilidade.

    A forma do acordo fica clara, portanto: basicamente, um impasse quanto a medidas adicionais de austeridade, e a Grécia aceitaria fazer pagamentos significativos mas não constantemente crescentes, aos seus credores. Um acordo como esse prepararia o terreno para a recuperação econômica, talvez lenta no início, mas por fim oferecendo alguma esperança.

    Mas no momento o acordo não parece a caminho de se concretizar. Talvez seja verdade, como dizem os credores, que negociar com o novo governo grego é difícil. Mas o que se deveria esperar quando partidos sem experiência prévia de governo assumem o poder substituindo uma elite desacreditada?

    O mais importante é que os credores estão exigindo coisas –fortes cortes nas aposentadorias e no funcionalismo público– que um governo de esquerda recém-eleito simplesmente não pode aceitar, em contraposição a reformas como uma melhora na fiscalização tributária, o que as autoridades poderiam fazer. E os gregos, como sugeri, estão prontos a ver as exigências como parte de um esforço para ou derrubar seu governo ou fazer de seu país um exemplo quanto ao que acontecerá a outros países devedores que vacilem em aceitar medidas severas de austeridade.

    Para agravar ainda mais as coisas, a incerteza política vem prejudicando a arrecadação tributária, e provavelmente fez desaparecer aquele superávit orçamentário obtido com tamanho sacrifício. O sensato, seguramente, seria exibir alguma paciência, quanto a isso. Se e quando um acordo for fechado, a incerteza se reduzirá e o orçamento deve melhorar de novo. Mas na atmosfera de desconfiança generalizada que agora prevalece, paciência não é algo com que se deva contar.

    Não é preciso que as coisas sejam assim. Evitar uma crise total exigiria, é certo, que os credores liberem dinheiro em montante significativo para a Grécia, mas esse dinheiro seria imediatamente reciclado em forma de pagamento de dívidas. Mas pense na alternativa. A última coisa de que a Europa precisa é que a tensão prevalecente crie nova catástrofe, e uma catástrofe completamente gratuita.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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