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    Paul Krugman

    Acabando com o sangramento da Grécia

    06/07/2015 12h38

    A Europa escapou de uma bala no domingo. Confundindo muitas previsões, os eleitores gregos apoiaram fortemente a rejeição de seu governo em relação às demandas dos credores. E mesmo os mais fervorosos apoiadores da União Europeia deveriam estar dando suspiros de alívio.

    Claro, isso não é a maneira com que os credores veem. A história deles, ecoada por muitos na imprensa de negócios, é que o fracasso da tentativa de intimidar a Grécia para a aquiescência foi um triunfo da irracionalidade e irresponsabilidade sobre conselho tecnocrático.

    Mas a campanha de bullying —a tentativa de aterrorizar gregos cortando financiamento bancário e fazendo ameaças de caos geral, tudo com o objetivo quase deliberado de empurrar o atual governo de esquerda para fora— foi um momento vergonhoso em uma Europa que afirma acreditar nos princípios da democracia.

    Teria criado um precedente terrível se que a campanha tivesse sido bem sucedida, mesmo que as demandas dos credores fizessem sentido.

    Além do mais, elas não faziam. A verdade é que os autodenominados tecnocratas da Europa são como os médicos medievais, que insistiam em fazer seus pacientes sangrarem —e quando o tratamento os deixava mais doentes, exigiam ainda mais sangramento.

    Um voto "sim" na Grécia teria condenado o país a mais anos de sofrimento no âmbito das políticas que não funcionaram e, de fato, dada a aritmética, não poderiam funcionar: a austeridade provavelmente encolhe a economia mais rápido do que reduz a dívida, de modo que todo o sofrimento não serve para nada. A vitória esmagadora do "não" oferece ao menos uma chance de fuga desta armadilha.

    Mas como tal fuga pode ser gerenciada? Existe alguma maneira para a Grécia permanecer no euro? E isso é desejável de qualquer forma?

    A questão mais imediata envolve os bancos gregos. Antes do referendo, o Banco Central Europeu cortou o acesso deles aos fundos adicionais, ajudando a precipitar pânico e a forçar o governo a impor um feriado bancário e controles de capital.

    O banco central agora enfrenta uma escolha estranha: se ele retoma o financiamento normal, vai admitir que o congelamento anterior era político, mas, se isso não acontecer, efetivamente, vai forçar a Grécia à introdução de uma nova moeda.

    Especificamente, se o dinheiro não começar a fluir a partir de Frankfurt (sede do banco central), a Grécia não terá escolha a não ser começar a pagar salários e pensões com IOUs (cupons de crédito), que irá de fato ser uma moeda paralela —e que pode em breve virar o novo dracma.

    Suponha-se, por outro lado, que o banco central retome os empréstimos normais, e a crise bancária se atenue. Isso ainda deixa em aberto a questão de como restaurar o crescimento econômico.

    Nas negociações fracassadas que levaram ao referendo de domingo, o ponto de discórdia central era a demanda da Grécia pelo alívio da dívida permanente, para remover a nuvem que paira sobre sua economia.

    A troika —as instituições que representam os interesses dos credores— recusou-se, mesmo que agora saibamos que um membro, o Fundo Monetário Internacional, concluiu de forma independente que a dívida da Grécia não pode ser paga.

    Mas eles vão reconsiderar agora que a tentativa de conduzir a coalizão esquerdista do governo para fora falhou?

    Eu não tenho ideia —e, em qualquer caso, existe agora um forte argumento de que saída da Grécia do euro é a melhor entre as opções ruins.

    Imagine, por um momento, que a Grécia nunca tivesse adotado o euro, que tivesse apenas fixado o valor do dracma em termos de euros. O que a análise econômica básica diz que deve ser feito agora?

    A resposta, esmagadoramente, seria a de que ela deve desvalorizar —deixar o valor do dracma cair, tanto para estimular as exportações quanto para romper o ciclo de deflação.

    Claro, a Grécia já não tem sua própria moeda, e muitos analistas costumavam reivindicar que a adoção do euro foi um movimento irreversível —afinal, qualquer indício de saída do euro iria detonar corridas bancárias devastadoras e uma crise financeira.

    Mas neste ponto em que a crise financeira já aconteceu, os maiores custos de saída do euro já foram pagos. Por que, então, não olhar para os benefícios?

    Será que saída da Grécia do euro funcionaria tão bem como a desvalorização de grande sucesso da Islândia em 2008/2009, ou o abandono da Argentina de sua política de "um peso - um dólar" em 2001/2002? Talvez não —mas consideremos as alternativas

    A menos que a Grécia receba realmente um importante alívio da dívida, e possivelmente até com isso, deixar o euro oferece a única rota de fuga plausível de seu pesadelo econômico sem fim.

    E vamos ser claros: se a Grécia acabar saindo do euro, isso não significa que os gregos são maus europeus. O problema da dívida da Grécia refletiu empréstimos irresponsáveis, bem como endividamento irresponsável, e em qualquer caso, os gregos pagaram pelos pecados do seu governo muitas vezes.

    Se eles não podem seguir com a moeda comum da Europa, é porque essa moeda comum não oferece alívio para países em dificuldades. O importante agora é fazer o que for preciso para acabar com o sangramento.

    TRADUÇÃO DE MARIA PAULA AUTRAN

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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