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    Paul Krugman

    A provável elevação dos juros dos Estados Unidos será um erro

    07/12/2015 12h23

    De acordo com o economista Kevin O'Rourke, que tem feito uma comparação contínua entre a Grande Depressão que começou em 1929 e a Grande Recessão que começou há quase oito anos, o mundo acaba de passar por um triste marco. Enquanto a queda inicial desta vez não foi tão ruim quanto o colapso 1929-1933, a recuperação tem sido muito mais fraca —e neste ponto a produção industrial mundial apresenta pior desempenho do que no mesmo ponto da década de 1930. Um feito notável!

    Mas as más notícias não são igualmente distribuídas. Em particular, a Europa foi muito mal, enquanto os Estados Unidos foram relativamente bem. É verdade, o desempenho dos EUA parece ser bom apenas se você avaliar a curva dele. Ainda assim, o desemprego foi reduzido à metade, e o Federal Reserve (o banco central americano) está se preparando para elevar os juros em um momento em que seu par, o Banco Central Europeu, ainda procura desesperadamente maneiras de aumentar o consumo.

    Agora, creio que o Fed está cometendo um erro. Mas o fato de que as taxas ascendentes são ainda defensáveis de alguma forma é um sinal de que a economia dos EUA não está indo tão mal. Então, o que fizemos certo?

    A resposta, basicamente, é que o Fed e a Casa Branca têm se preocupado principalmente com as coisas certas (o Congresso, nem tanto). Suas atitudes foram muito aquém do que deveriam ter sido. O desemprego deveria ter caído muito mais rápido do que caiu. Mas, pelo menos, evitaram tomar medidas destrutivas para combater fantasmas.

    Comecemos com o Fed. Em seu recente livro "The Courage to act" (A coragem de agir, em tradução livre), Ben Bernanke, antigo presidente da instituição, celebra a vontade do Fed de intervir e resgatar o sistema financeiro, o que era de fato a coisa certa a se fazer. Mas todo mundo fez isso.

    Realmente corajoso foi o comportamento do Fed em 2010-11, quando ele manteve sua posição diante das demandas para que apertasse as políticas apesar do desemprego elevado. A pressão foi intensa. Os líderes republicanos, incluindo Paul Ryan, agora presidente da Câmara, acusaram Bernanke de "rebaixar" o dólar e sugeriu que ele estava apoiando Obama de uma forma corrupta.

    Defensores de uma moeda forte aproveitaram um aumento global dos preços ao consumidor, afirmando que era um prenúncio da vinda de uma inflação elevada.

    Mas o Fed manteve suas, hum... máquinas de impressão, argumentando que o aumento da inflação foi um episódio temporário impulsionado principalmente pelos preços do petróleo —e foi provado que isso estava certo.

    Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, o Banco Central Europeu cedeu ao pânico da inflação, elevando as taxas de juros duas vezes em 2011 —e, ao fazer isso, ajudou a empurrar a área do euro para uma recessão dupla.

    E quanto à Casa Branca? Alguns de nós avisaram desde o início que o estímulo de 2009 era muito pequeno e iria desaparecer muito rápido, um alerta justificado pelos eventos. Mas foi muito melhor do que nada, e foi colocado em prática contra a oposição de terra arrasada dos republicanos, que alegavam que a medida poderia causar taxas de juros crescentes e uma crise fiscal.

    Mais uma vez, isso contrasta fortemente com a Europa, que nunca forneceu muito estímulo e se voltou rapidamente para uma austeridade selvagem em países devedores.

    Infelizmente, os EUA acabaram aplicando um pouco de austeridade também, em parte impulsionada pelos governos estaduais conservadores, em parte imposta por republicanos no Congresso por meio de chantagem em relação ao teto da dívida federal. Mas a administração Obama pelo menos tentou limitar os danos.

    O resultado dessas políticas não tão ruins é a economia não tão ruim de hoje. Não é uma grande economia: o desemprego está baixo, mas isso tem muito a ver com um declínio na parcela da população à procura de trabalho, e a fraqueza dos salários garante que não haja sentimento de prosperidade. Ainda assim, as coisas poderiam ser piores.

    E, na verdade, elas podem piorar. E é por isso que a provável elevação das taxas do Fed será um erro.

    As autoridades do Fed acreditam que o crescimento do emprego sólido dos últimos anos —que aconteceu ao mesmo tempo em que o Obamacare, que os conservadores garantiram que seria um assassino de empregos, entrou em pleno vigor— continuará mesmo se as taxas subirem. Estou entre aqueles que acreditam que os EUA estão sendo cada vez mais puxados para trás pela fraqueza de outras economias, especialmente porque uma subida do dólar está tornando a indústria americana menos competitiva.

    Mas as autoridades poderiam estar certas. Nesse caso, a espera para elevar as taxas poderia significar alguma aceleração da inflação.

    Por outro lado, elas poderiam estar erradas. Nesse caso, uma subida das taxas poderia acabar com a série de boas notícias econômicas. E isso seria muito mais grave do que um modesto aumento da inflação, porque não está totalmente claro o que o Fed poderia fazer para corrigir o seu erro.

    Não tenho certeza de por que esse argumento, que uma série de economistas está defendendo, não está recebendo muita aceitação no Fed.

    Suspeito, no entanto, que as autoridades tenham sido desgastadas pela crítica incessante às suas políticas e queiram dar bola aos críticos.
    Mas esses críticos estavam errados a cada passo do caminho. Por que começar a levá-los a sério agora?

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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