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    Paul Krugman

    Vento, sol e fogo

    01/02/2016 11h23

    O ano passado foi o mais quente já registrado, por uma larga margem, o que deve —mas não vai— pôr fim à alegação dos negacionistas de que o aquecimento global foi interrompido. A verdade é que a mudança climática está ficando cada vez mais assustadora. É, de longe, a questão política mais importante para os Estados Unidos e para o mundo. Ainda assim, esta eleição não teria muita influência sobre a questão se não houvesse perspectiva de uma ação eficaz contra a catástrofe iminente.

    Mas a situação nessa frente tem mudado drasticamente para melhor nos últimos anos, porque agora estamos dolorosamente perto de alcançar uma revolução de energia renovável e, além disso, de conseguir que a revolução energética não exija uma revolução política. Seriam necessárias mudanças políticas bastante modestas, algumas das quais aconteceram e outras que estão em andamento. Mas essas mudanças não vão acontecer se as pessoas erradas acabarem no poder.

    Para entender o que eu estou falando, é preciso saber uma coisa sobre o estado atual da economia do clima, que mudou muito mais nos últimos anos do que a maioria das pessoas parece perceber.

    A maior parte das pessoas que pensam sobre o assunto provavelmente imagina que a obtenção de uma redução drástica das emissões de gases de efeito de estufa envolveria necessariamente grandes sacrifícios econômicos. Esse ponto de vista é uma ortodoxia necessária na direita, onde forma uma espécie de segunda linha de defesa contra a ação, apenas no caso de a negação da ciência do clima e de a caça às bruxas contra os cientistas do clima não funcionarem. Por exemplo, no último debate republicano, Marco Rubio —a última e melhor esperança do establishment republicano— insistiu, como já fez antes, que um programa de limitações e comércio de emissões seria "devastador para a nossa economia".

    Para encontrar algo equivalente na esquerda é preciso ir bem para fora do mainstream, com ativistas que insistem que as alterações climáticas não podem ser combatidas sem derrubar o capitalismo. Ainda assim, meu sentimento é que muitos democratas acreditam que a política, como de costume, não está à altura da tarefa, que precisamos de um terremoto político para tornar a ação real possível. Em particular, continuo ouvindo que os esforços ambientais da administração Obama têm sido até agora tão aquém do que é necessário que nem valeria a pena mencioná-los.

    Mas há realmente muito mais esperança do que isso, graças ao notável progresso tecnológico em energia renovável.

    Os números são realmente impressionantes. De acordo com um relatório recente da empresa de investimento Lazard, o custo da geração de eletricidade utilizando a energia eólica caiu 61% de 2009 a 2015, enquanto o custo da energia solar caiu 82%. Esses números – que estão em linha com outras estimativas - mostram taxas de progressos que normalmente só esperamos ver em tecnologia da informação. E eles colocaram o custo da energia renovável em uma escala em que ela é competitiva com os combustíveis fósseis.

    Agora, existem ainda algumas questões especiais relativas às energias renováveis, em particular problemas de intermitência: os consumidores podem querer energia quando o vento não sopra e o sol não brilha. Mas a importância desse problema parece estar diminuindo, em parte graças à melhoria da tecnologia de armazenamento, em parte graças à conclusão de que "resposta à demanda" —pagar os consumidores para reduzir o consumo de energia durante períodos de pico— pode reduzir significativamente o problema.

    Então, o que é preciso para alcançar uma mudança em larga escala dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, uma mudança para o sol e para o vento, em vez do fogo? Incentivos financeiros. E eles não tem que ser enormes. Créditos fiscais para as energias renováveis, que faziam parte do plano de estímulo de Obama e foram estendidos no âmbito do recente acordo orçamentário, têm feito muito para acelerar a revolução energética. O Plano de Energia Limpa da Agência de Proteção Ambiental, que, se implementado irá criar fortes incentivos para nos afastar do carvão, vai fazer muito mais.

    E nada disso vai exigir uma nova legislação; podemos ter uma revolução energética, mesmo que os mais malucos fiquem no controle da Câmara.

    Agora, os céticos podem apontar que, mesmo que todas estas coisas boas aconteçam, não serão o suficiente por conta própria para salvar o planeta. Por um lado, estamos apenas falando de geração de eletricidade, o que é uma grande parte do problema das alterações climáticas, mas não é tudo. Por outro, estamos falando apenas de um país quando o problema é global.

    Mas eu diria que o tipo de progresso agora ao alcance poderia produzir um ponto de inflexão, na direção certa. Uma vez que as energias renováveis se tornaram um sucesso óbvio e, sim, um poderoso grupo de interesse, o antiambientalismo vai começar a perder o controle político. E uma revolução energética nos EUA nos deixaria tomar a liderança da ação global.

    A salvação da catástrofe climática é, em suma, algo que podemos realisticamente esperar que aconteça, sem que seja necessário um milagre político. Mas o fracasso também é uma possibilidade muito real. Todas as cartas estão na mesa.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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