• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 12:13:28 -03
    Paul Krugman

    Trump não é um acidente

    14/03/2016 12h21

    Os republicanos do establishment que estão horrorizados com a ascensão de Donald Trump podem querer parar um minuto para lembrar o erro ouvido em todo o mundo —o objeto de discussão que Marco Rubio não podia parar de repetir em um debate crucial, expondo-o devastadoramente ao ridículo e mandando sua campanha para uma espiral de morte.

    Foi assim: "Vamos descartar esta ficção de que Barack Obama não sabe o que está fazendo. Ele sabe exatamente o que está fazendo." A implicação clara era de que todas as coisas ruins que os republicanos afirmam ter acontecido foram sob a presidência de Obama —em particular, o tamanho supostamente reduzido dos Estados Unidos no mundo —são o resultado de um esforço deliberado para enfraquecer a nação.

    Em outras palavras, o favorito do establishment para a nomeação republicana, o homem que a revista "Time" uma vez estampou em sua capa com a manchete "O salvador republicano", estava deliberadamente canalizando o estilo paranoico da política dos EUA. Ele estava sugerindo, ainda que timidamente, que o presidente em exercício é um traidor.

    E agora o establishment está chocado ao ver um candidato que, basicamente, joga o mesmo jogo, mas sem a timidez, o favorito esmagador para a nomeação presidencial republicana. Por quê?

    A verdade é que o caminho para o Trumpismo começou há muito tempo, quando os conservadores do movimento —guerreiros ideológicos da direita— assumiram o Partido Republicano. E realmente foi uma posse completa. Ninguém que busca uma carreira dentro do partido ousa questionar qualquer aspecto da ideologia dominante, por medo de enfrentar não apenas os principais desafios, mas a excomunhão.

    Podemos ver o poder contínuo da ortodoxia na forma como todos os candidatos remanescentes para a nomeação republicana, incluindo Trump, obedientemente propuseram enormes cortes de impostos para os ricos, embora a grande maioria dos eleitores, incluindo muitos republicanos, queira ver os impostos sobre os ricos aumentarem em vez disso.

    Mas como é que um partido controlado por uma ideologia basicamente impopular – ou pelo menos por uma ideologia de que seus eleitores não gostariam se soubessem mais sobre ela – ganha as eleições? A ofuscação ajuda. Mas a demagogia e o apelo ao tribalismo ajudam mais.

    Mensagens raciais para já convertidos e sugestões que os democratas são antiamericanos, se não traidores ativos, não acontecem de vez em quando, mas são uma parte integrante da estratégia da política republicana.

    Durante os anos Obama, líderes republicanos aumentaram o volume dessa estratégia até 11 (embora tenha sido muito ruim durante os anos Clinton também). Os republicanos do establishment em geral evitaram dizer em tantas palavras que o presidente era um queniano, ateu, islâmico, socialista e simpático aos terroristas —embora, como mostra a citação de Rubio, eles chegaram bem perto— mas tacitamente encorajaram aqueles que o fizeram, e aceitaram seus endossos. E agora estão pagando o preço.

    Para o pressuposto subjacente, a estratégia do establishment seria que os eleitores poderiam ser enganados de novo e de novo: persuadidos a votar nos republicanos, mesmo com raiva deles, e então ignorados após a eleição, enquanto o partido prossegue as suas verdadeiras prioridades, prioridades plutocratas. Agora vem Trump, transformando as mensagens raciais para já convertidos em gritos plenamente audíveis. E o establishment está sendo destruído pelo monstro que ele criou.

    As coisas são muito diferentes do outro lado do corredor.

    Ás vezes, ainda vejo pessoas que sugerem uma equivalência entre Trump e Bernie Sanders. Mas, apesar de os dois homens estarem desafiando o establishment de partidos, esses establishments não são os mesmos. O Partido Democrata é, como alguns cientistas políticos colocam, uma "coligação de grupos sociais", variando desde o Planned Parenthood [planejamento familiar] aos sindicatos de professores, em vez de um monólito ideológico; não há nada comparável com o conjunto de instituições que impõe a pureza do outro lado.

    Na verdade, o que o movimento de Sanders, com suas exigências de pureza e desprezo pelo compromisso e meias medidas, se assemelha não é com a insurgência de Trump, mas sim com os ideólogos que assumiram o Partido Republicano, tornando-se o establishment que Trump está desafiando.

    E, sim, nós estamos começando a ver indícios daquele movimento de feiura que há muito tem sido um procedimento operacional padrão da direita: ataques pessoais amargos a qualquer um que questione as premissas da campanha e uma quantidade crescente de demagogia na própria campanha. Compare os feeds do Twitter de Sanders e de Clinton para ver o que quero dizer.

    Mas voltando aos republicanos: vamos descartar essa ficção de que o fenômeno Trump representa algum tipo de intrusão imprevisível no curso normal da política republicana. Pelo contrário, o Partido Republicano passou décadas encorajando e explorando a própria raiva que agora está levando Trump para a nomeação. Essa raiva foi obrigada a sair do controle do establishment, mais cedo ou mais tarde.

    Donald Trump não é um acidente. Seu partido o mereceu.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024