• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 08:07:26 -03
    Paul Krugman

    Na ignorância invencível

    21/03/2016 11h49

    Lembra-se de Paul Ryan? O presidente da Câmara costumava ser um queridinho da mídia, celebrizado como o epítome do sério, honesto e conservador –sem importar aqueles que realmente olharam para os números em seus orçamentos e concluíram que ele era um vigarista. Hoje em dia, é claro, ele é ofuscado pelo Trumpocalipse iminente.

    Mas enquanto Donald Trump poderia ganhar a Casa Branca –ou perder tão mal que até mesmo o nosso sistema "feudal" de distritos congressionais, que muito favorece o Partido Republicano, oferece a Casa para os democratas - há grandes chances de que, a partir de janeiro, Hillary Clinton seja a presidente e Ryan ainda esteja apenas falando. Então, eu estava interessado em ler o que Ryan disse em uma recente entrevista com John Harwood. O que ele aprendeu com os acontecimentos recentes?

    E a resposta é "nada".

    Como quase todos no establishment republicano, Ryan está em negação sobre as raízes do Trumpismo, sobre em que medida o partido cultivou deliberadamente a raiva e o preconceito racial, só para perder o controle do monstro que criou. Mas o que achei especialmente marcante foram os comentários sobre a política fiscal. Eu sei, é chato – mas deixe-me entrar aqui. Há um motivo maior.

    Você pode pensar que líderes republicanos estariam envolvidos em algum exame de consciência sobre a obsessão de seu partido com a redução dos impostos sobre os ricos. Por que os candidatos que investem contra os males de deficits orçamentais e dívida federal se sentem obrigados a propor grandes cortes de impostos no topo da pirâmide – muito maiores do que os de George W. Bush – que eliminaria trilhões em receita?

    E, deixando a economia de lado, por que tal compromisso com uma política que nunca teve muito apoio nem mesmo da própria base do partido e parece ainda mais politicamente suspeita em face de um levante populista?

    Mas aqui está o que Ryan disse sobre todos os cortes de impostos para o 1% mais rico: "Eu não gosto da ideia de comprar nessas tabelas de distribuição. O que você está falando é o que chamamos de distribuição estática. É uma noção ridícula."

    A-rá. O zumbi da mobilidade de renda ataca novamente.

    Desde que a desigualdade de renda começou sua ascensão acentuada na década de 1980, uma das desculpas preferidas dos conservadores tem sido que isso não significa nada porque as posições econômicas mudam o tempo todo. As pessoas que são ricas neste ano podem não ser ricas no próximo, de modo que o fosso entre os ricos e o resto não importa, certo?

    Bem, é verdade que as pessoas se movem para cima e para baixo da escada econômica, e os apologistas da desigualdade amam citar estatísticas que mostram que muitas pessoas que estão no 1% mais rico em um determinado ano estão fora dessa categoria no ano seguinte.

    Mas um olhar mais atento para os dados mostra essa observação não é exatamente o que parece. Atualmente, é preciso uma receita de cerca de US$ 400 mil por ano para colocá-lo no 1% mais rico e a maior parte da flutuação nos rendimentos que vemos envolve pessoas indo de, digamos, US$ 350 mil para US$ 450 mil ou vice-versa.

    Como um levantamento exaustivo colocou, "a maioria da mobilidade econômica ocorre ao longo de vãos de distribuição bastante pequenos". O rendimento médio ao longo de vários anos é quase tão desigualmente distribuído como a renda em um determinado ano, o que significa que os cortes de impostos que, principalmente, beneficiam os ricos são, na verdade destinados a um pequeno grupo de pessoas, e não ao público em geral.

    E aqui está a questão: essa não é uma observação nova. Quando isso acontece, eu, pessoalmente, pego o mesmo argumento que Ryan está usando –e mostro que estava errado– quase 25 anos atrás. No entanto, o homem amplamente considerado líder intelectual do Partido Republicano ainda está fazendo as mesmas reivindicações antigas.

    OK, talvez eu só esteja sendo implicante, focando neste assunto dm particular. No entanto, a persistência do zumbi da mobilidade de renda, assim como do zumbi do crescimento dos cortes de impostos (que deveria ter sido morto, de uma vez por todas, pelos desastres no Kansas e na Louisiana), é parte de um padrão.

    Os republicanos chocados podem se mobilizar contra a ignorância arrogante de Donald Trump. Mas quão diferente, realmente, são líderes tradicionais do partido? Sua visão míope do mundo tem um verniz de respeitabilidade, pode estar de acordo com uma aparência de reflexão, mas na realidade é muito impermeável à qualquer prova –talvez até mais, porque tem o poder do pensamento de grupo por trás.

    É por isso que você não deve sofrer com fracasso político épico de Marco Rubio. Se Rubio tivesse conseguido, ele simplesmente teria encorajado o seu partido a acreditar que tudo de que precisa é de uma reforma cosmética –um rosto mais fresco e mais jovem para vender o mesmo velho defunto da ortodoxia. Ah, e se voltar para alguém como John Kasich na última hora, à sua maneira, teria implicações semelhantes.

    O que estamos recebendo em vez disso é, pelo menos, a possibilidade de um choque de limpeza –de um período no deserto político que vai finalmente forçar o establishment republicano a repensar suas premissas. Isso é uma coisa boa– ou seria, se não viesse com o risco de Trump na presidência.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024