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    Paul Krugman

    Comércio, Trabalho e Política

    28/03/2016 12h42

    Há muitas coisas sobre a eleição de 2016 que ninguém previu, e uma delas é que a política comercial internacional provavelmente será uma questão importante na campanha presidencial. Além disso, as posições dos partidos serão ao contrário do que você poderia esperar: os republicanos, que afirmam ser a favor do livre mercado, provavelmente vão nomear um protecionista puro, deixando os democratas, com seu ceticismo sobre os mercados desimpedidos, como defensores de fato de comércio relativamente aberto.

    Mas este não é um desdobramento tão peculiar quanto parece. Deixando de lado as reivindicações retóricas, os republicanos há muito tempo tendem, na prática, a ser mais protecionistas do que os democratas. E há uma razão para essa diferença. É verdade que a globalização pressiona os salários de muitos trabalhadores para baixo – mas os progressistas podem oferecer uma variedade de respostas a essa pressão, enquanto que, no lado da direita, o protecionismo é tudo o que eles têm.

    Quando digo que os republicanos têm sido mais protecionistas do que os democratas, não estou falando sobre o passado distante, sobre as políticas de tarifas elevadas da Era do Ouro. Estou falando de presidentes republicanos modernos, como Ronald Reagan e George W. Bush. Reagan, afinal, impôs uma quota de importação de automóveis que acabou custando bilhões de dólares aos consumidores. E Bush impôs tarifas sobre o aço que estavam em clara violação dos acordos internacionais, apenas voltando atrás depois que a União Europeia ameaçou impor sanções retaliatórias.

    Na verdade, o último episódio deve ser uma lição para qualquer um que fale duramente sobre o comércio. A administração Bush sofria de um caso de ilusão de superpotência, uma crença de que a América poderia ditar acontecimentos em todo o mundo. A falsidade dessa crença foi mais espetacularmente demonstrada pelo fracasso no Iraque. Mas o acerto de contas chegou ainda mais cedo sobre o comércio, uma área onde outros players, a Europa em particular, têm tanto poder quanto nós.

    A ameaça de retaliação também não é o único fator que deve impedir uma virada protecionista forte. Há também os danos colaterais que seriam impostos aos países pobres. Falar agora sobre o que uma guerra comercial causaria, digamos, em Bangladesh, é provavelmente fazer má política. Mas qualquer futuro presidente responsável teria que pensar muito sobre essas questões.

    Então, novamente, poderíamos estar falando do presidente Trump.

    Mas voltando à questão mais ampla de como ajudar os trabalhadores pressionados pela economia global.

    A análise econômica séria nunca apoiou a visão Poliana do comércio como ganha-ganha para todos, que é popular nos círculos da elite: o crescimento do comércio pode na verdade ferir muitas pessoas e, há algumas décadas, a globalização provavelmente tem sido uma força depressora para a maioria dos trabalhadores americanos.

    Mas o protecionismo não é a única maneira de combater essa pressão para baixo. Na verdade, muitas das coisas ruins que associamos à globalização nos EUA foram escolhas políticas, consequências não necessárias – e elas não aconteceram em outros países avançados, embora esses países tenham enfrentado as mesmas forças globais que nós.

    Considere, por exemplo, o caso da Dinamarca, que Bernie Sanders sempre toma como modelo. Como membro da União Europeia, a Dinamarca está sujeita a acordos comerciais globais, assim como nós – e embora não tenha um acordo de livre comércio com o México, há uma abundância de trabalhadores de salários baixos na Europa do Leste e do Sul. No entanto, a Dinamarca tem muito menos desigualdade do que nós. Por quê?

    Parte da resposta é que os trabalhadores na Dinamarca, dos quais dois terços são sindicalizados, ainda têm bastante poder de negociação. Se as corporações americanas foram capazes de usar a ameaça de importações para esmagar os sindicatos, foi apenas porque o nosso ambiente político apoiou o cerceamento deles. Mesmo no vizinho Canadá, não se viu nada como o colapso dos sindicados que ocorreu aqui.

    E o resto da resposta é que a Dinamarca (e, em menor medida, o Canadá) tem uma rede de seguridade social muito mais forte do que nós EUA, nos dizem constantemente que a concorrência global significa que não podemos sequer pagar nem mesmo a rede de seguridade que temos; por mais estranho que pareça, outros países ricos não parecem ter esse problema.

    O que tudo isso significa, como eu disse, é que o candidato democrata não terá que se envolver na selvageria sobre o comércio. Ela (sim, ainda é esmagadoramente provável que seja Hillary Clinton) vai, justamente, expressar ceticismo sobre futuros acordos comerciais, mas será capaz de lidar com os problemas das famílias trabalhadoras sem se envolver em conversas bobas e irresponsáveis sobre o sistema de comércio mundial. O candidato republicano não.

    E há uma lição aqui que vai além desta eleição. Se você é, no geral, e um torcedor dos mercados mundiais abertos – e você deveria ser, principalmente porque o acesso ao mercado é tão importante para os países pobres – você precisa saber que, seja lá o que eles digam, os políticos que defendem a ideologia rígida de livre mercado não estão do seu lado.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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