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    Paul Krugman

    O telefonema às oito da manhã

    25/04/2016 10h38

    Em 2008, um dos comerciais que Hillary Clinton veiculou na disputa pela indicação democrata à Presidência mostrava uma cena imaginária na qual o telefone da Casa Branca tocava às três manhã com a notícia de uma crise internacional, e perguntava: "Quem você gostaria que atendesse a esse telefonema?" Era uma crítica razoavelmente amena à falta de experiência de Barack Obama em política externa.

    A realidade é que, ao assumir, Obama, um homem que perceptivelmente mantém a cabeça fria e ouve seus conselheiros, conduziu os assuntos internacionais bastante bem —ou pelo menos assim entendo. Mas perguntar como um aspirante à Presidência responderia a potenciais crises é definitivamente um questionamento justo.

    E emergências militares não são as únicas que merecem preocupação. O telefonema às três da manhã é uma coisa; mas e quanto ao telefonema das oito da manhã, aquele que alerta que os mercados financeiros entrarão em colapso tão logo os pregões sejam abertos?

    Pois não se deixe enganar: a economia do planeta continua a ser um lugar perigoso. A reforma financeira, eu argumentaria, tornou nosso sistema um pouco mais robusto do que era em 2008, mas um engano na maneira de responder a um choque poderia continuar a ter consequências desastrosas. Assim, o que sabemos sobre os choques que possivelmente enfrentaremos, e sobre a maneira pela qual as pessoas que podem se tornar presidente responderiam a eles?

    No momento, existem dois potenciais pontos críticos para a economia: a China e o petróleo.

    Muitos economistas, entre os quais me incluo, vêm apontando já há algum tempo que a China tem uma economia severamente desequilibrada, com consumo insuficiente e níveis insustentáveis de investimento. Até o momento, infelizmente, a China não avançou muito no combate a esse desequilíbrio fundamental; em lugar disso, tentou ocultar o problema por meio de uma imensa expansão no crédito.

    Agora, com fuga de capital do país à razão de US$ 1 trilhão por ano, é bem possível que sua economia esteja a caminho de uma contração. E a China tem tamanho suficiente para que uma contração lá cause sérios efeitos colaterais no resto do planeta.

    E há a possibilidade de uma crise do petróleo, bem diferente daquelas que nos acostumamos a enfrentar: o problema agora é o excedente, não a escassez, e muitos produtores estão se vendo forçados a acumular grandes dívidas que eles provavelmente não serão capazes de pagar. Seria possível afirmar que o petróleo de xisto betuminoso é o novo mercado subprime.

    Ninguém sabe que dimensões esses problemas poderão vir a assumir, ou que outras potenciais crises surgirão sem que percebamos com antecedência. Mas parece bastante provável que o próximo presidente tenha de enfrentar tumulto financeiro de alguma ordem. Como é que esse líder se sairá?

    A esta altura, existem três candidatos com chance séria de obter a indicação presidencial de seus partidos. A não ser que aconteça o equivalente político de uma queda de meteoro, Hillary será a candidata democrata. Donald Trump mostra clara vantagem na disputa republicana, mas se ele não conseguir maioria na primeira votação da convenção, Ted Cruz ainda teria chance de ser o indicado. Assim, o que sabemos sobre sua competência econômica?

    Bem, Hillary não só é a mais preparada e bem informada entre os candidatos desta eleição como possivelmente é a pessoa mais bem preparada quanto a questões econômicas que já disputou a Presidência. Ela ainda assim pode cometer erros, mas o motivo não seria a ignorância.

    Do outro lado, duvido que alguém se sinta chocado caso eu afirme que Trump não sabe muito sobre política econômica, ou, aliás, sobre qualquer tipo de política pública. Ele, por exemplo, parece continuar imaginando que a China está tirando vantagem dos Estados Unidos ao manter sua moeda fraca, o que um dia foi verdade mas não porta qualquer semelhança com a realidade atual.

    Oh, e lidar com uma crise no mundo moderno requer muita cooperação internacional. Coisas como currency swap lines (não queira saber) desempenharam papel muito maior do que a maioria das pessoas percebe para evitar uma Segunda Depressão. Como é que você acha que esse tipo de cooperação funcionaria em um governo Trump?

    Mas as coisas poderiam ser ainda piores. Se Donald sabe pouco, o que Ted Cruz sabe simplesmente não é verdade. Em um mundo no qual os defensores do padrão ouro se provaram equivocados a cada passo do caminho, prevendo repetidamente uma disparada da inflação que nunca se materializou, ele exige o padrão ouro, para produzir um "dólar sólido".

    Cruz escolheu como assessor financeiro Phil Gramm, um arquiteto da desregulamentação financeira que ajudou a preparar o terreno para a crise de 2008, e em seguida desconsiderou os alertas de recessão quando a crise chegou, definindo os Estados Unidos como "um país de chorões".

    Cruz, em outras palavras, é um homem de firmes convicções econômicas - convicções completamente divorciadas da realidade e invulneráveis às provas, em um grau que é incomum até mesmo entre os republicanos. Uma crise financeira com ele na Casa Branca seria, digamos, uma experiência interessante.

    Não sei que importância a prontidão dos candidatos diante de emergências econômicas terá na eleição geral. Afinal, haverá tantas posições horripilantes, sobre todo tipo de questão, da imigração ao planejamento de natalidade, a dissecar. Mas é preciso criar algum espaço para essa questão. Pois aquele telefonema às oito da manhã provavelmente virá, de uma maneira ou de outra.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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