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Se vencer, Hillary Clinton pode enfrentar oposição republicana à captação de recursos privados |
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Tuesday, 12-Nov-2024 21:40:52 -03Paul Krugman
EUA deveriam captar recursos para investir em infraestrutura
08/08/2016 12h04
A campanha presidencial ainda tem três feios meses a percorrer, mas a probabilidade —uma probabilidade de 83%, de acordo com o modelo do "New York Times"— é de que termine com a eleição de uma presidente sã e sensata. O que ela deveria fazer, então, para estimular a economia dos Estados Unidos, que está se saindo muito melhor do que a maior parte das demais economias do planeta mas continua bem aquém do ponto em que deveria estar?
Existem, é claro, muitas maneiras pelas quais nossa política econômica poderia ser melhorada. Mas a coisa mais importante de que precisamos é um aumento acentuado no investimento público, em todas as áreas, da energia ao transporte e tratamento de esgotos.
Como deveríamos pagar por esses investimentos? Não deveríamos —pelo menos não já, ou no futuro próximo. No momento, existem argumentos esmagadores em favor de o governo elevar sua captação. Vou mostrar-lhes o caso passo a passo, e depois tratar de algumas das objeções mais comuns.
Primeiro, temos necessidades óbvias e prementes de investimento público em muitas áreas. Em Washington, o metrô envelhecido está em situação tão precária que linhas inteiras podem ter de ser fechadas para manutenção.
Na Flórida, há um lodo verde infestando as praias, em larga medida porque um dique construído 80 anos atrás não foi reconstruído, e pela falta de verbas para adquirir área adicional para resíduos, o que força o corpo de engenharia do exército norte-americano a despejar água poluída do Lago Okeechobee no mar. Existem histórias semelhantes em todo o país.
Assim, investir mais em infraestrutura claramente nos tornaria mais ricos. Enquanto isso, o governo federal pode captar recursos a taxas de juros incrivelmente baixas: na sexta-feira, os títulos de 10 anos com correção monetária ofereciam rendimento de apenas 0,09%.
Se unirmos esses dois fatos —grande necessidade de investimento público e taxas de juros muito baixas—, o que decorre é não só que deveríamos estar tomando dinheiro emprestado para investir como que esse investimento bem poderia pagar por seus custos até mesmo em termos puramente fiscais. De que maneira? Gastar mais agora significaria uma economia nacional maior no futuro, o que traria maior arrecadação tributária. Essa arrecadação adicional provavelmente seria maior do que quaisquer aumentos em futuros pagamentos de juros.
E essa análise nem mesmo leva em conta o papel potencial do investimento público na criação de empregos: apesar de o índice de desemprego formal parecer baixo, a economia dos Estados Unidos provavelmente ainda está aquém do pleno emprego, e uma agenda de investimento ofereceria proteção valiosa contra quaisquer desacelerações possíveis no futuro.
Assim, porque não estamos captando recursos e investindo? Eis algumas das objeções usuais, e os motivos para que elas não procedam:
"Não podemos tomar empréstimos, porque já estamos endividados demais".
As pessoas que fazem essa afirmação em geral gostam de citar números grandes —"nossa dívida é de US$ 19 trilhões", elas entoam, fazendo uma voz sinistra de vilão de cinema. Mas tudo na economia dos Estados Unidos é imenso, e o que importa é a comparação entre o custo de serviço de nossa dívida e a nossa capacidade de pagá-la. E os pagamentos federais de juros hoje representam apenas 1,3% do PIB (Produto Interno Bruto), o que é baixo em termos históricos.
"Os custos de captação podem ser baixos agora, mas é possível que subam".
Sim, talvez. Mas estamos falando de captação em longo prazo que fixaria os juros em seu patamar baixo atual. Se 10 anos não parece prazo suficientemente longo para você, que tal títulos com prazo de 30 anos e correção monetária? O rendimento deles no momento é de apenas 0,64%.
"O governo não faz coisa alguma direito. Solyndra! Solyndra! Benghazi!"
Grande parte de nossa classe política está comprometida para com a ideia de que todo e qualquer esforço do governo para melhorar a vida dos cidadãos está fadado ao fracasso —um conceito que se transforma em profecia autorrealizável quando essas pessoas conseguem se eleger. Mas para defender essa posição é preciso dar as costas à história do país: a grandeza dos Estados Unidos foi em grande parte criada por investimentos do governo ou investimentos privados orientados e apoiados pelo poder público, do canal de Erie às ferrovias transcontinentais, e ao sistema rodoviário interestadual.
Quanto à insistência constante com respeito a falhas individuais, todas as grandes organizações, o que certamente inclui as empresas privadas, se envolvem em alguns projetos que não funcionam. Sim, alguns dos investimentos em projetos de energia renovável foram fracassos —mas no geral, a promoção da energia solar e eólica pelo governo Obama foi um grande sucesso, com a geração quase quadruplicando de 2008 para cá. A energia ecológica deveria ser encarada como inspiração, e não como história cautelar.
Existem em resumo, argumentos esmagadores de política pública em favor da captação federal para pagar por investimentos públicos. Mas será que o próximo presidente será capaz de agir quanto a isso?
A boa notícia é que o discurso da elite parece enfim estar se movendo na direção certa. Cinco anos atrás, o pessoal de Washington estava fixado na dívida e deficit como os grandes males. Hoje, nem tanto.
A má notícia é que mesmo que Hillary Clinton vença, ela bem pode enfrentar o mesmo tipo de oposição republicana intransigente que o presidente Barack Obama encarou desde seu primeiro dia no posto. Assim, importa não apenas quem vencerá em novembro, mas por que margem. Será que a onda democrata será forte o suficiente para dar a Hillary a capacidade de agir?
Mas embora o aspecto político continue incerto, fica claro o que deveríamos estar fazendo. É hora de o governo federal captar recursos para investir.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.
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