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    Paul Krugman

    Existe motivo para preocupação com conexão entre Trump e regime Putin

    12/09/2016 10h58

    Mikhail Klimentyev/Associated Press
    Elogios de Donald Trump a Vladimir Putin causaram confusão em parte da direita americana
    Elogios de Donald Trump a Vladimir Putin causaram confusão em parte da direita americana

    Primeiro, vamos deixar uma coisa bem clara: a Federação Russa de 2016 não é a União Soviética de 1986. É verdade que ela cobre a maior parte do mesmo território e é comandada por alguns dos mesmos brutamontes. Mas a ideologia marxista se foi, bem como o status de superpotência. Estamos falando aqui de um petro-Estado corrupto e mais ou menos ordinário, ainda que se trate de um Estado grande e dotado de armas nucleares.

    Menciono tudo isso por causa dos efusivos elogios de Donald Trump a Vladimir Putin —que na verdade refletem sentimentos bem comuns da parte da direita— e da aparente confusão que eles causaram a algumas pessoas.

    De um lado, há quem expresse incompreensão diante do espetáculo apresentado por direitistas —aqueles mesmos caras que costumavam bradar "América, ame-a ou deixe-a!"— ao elogiar um regime russo. Do outro lado, algumas poucas pessoas na esquerda são anti o movimento anti-Putin, e denunciam as críticas ao apreço de Trump por Putin como "caça aos comunistas".

    Mas a Rússia atual não é comunista, e nem mesmo de esquerda: é só um país autoritário, que cultua a personalidade de seu homem forte e despeja benefícios sobre uma oligarquia imensamente rica, enquanto reprime brutalmente a oposição e a crítica.

    E é exatamente isso, claro, que muita gente na direita admira.

    Estou sendo injusto? Será que os elogios ao homem que para todos os fins práticos é o ditador da Rússia não refletem a admiração pelas suas realizações substantivas? Bem, falemos sobre o que o regime de Putin de fato realizou, começando pela Economia.

    Putin chegou ao poder no final de 1999, quando a Rússia estava se recuperando de uma severa crise financeira, e seus primeiros oito anos no poder foram caracterizados por rápido crescimento econômico. No entanto, esse crescimento pode ser explicado com uma palavra só: petróleo.

    Pois a Rússia, como eu disse, é um petro-Estado. Combustíveis respondem por mais de dois terços de suas exportações, e produtos industrializados por nem mesmo 20%. E os preços do petróleo mais que triplicaram do começo de 1999 a 2000; poucos anos depois, voltaram a triplicar. Em seguida, despencaram, e o mesmo aconteceu com a economia russa, que vem se saindo muito mal nos últimos anos.

    Putin poderia ter algo de que se vangloriar se tivesse conseguido diversificar as exportações russas. E isso deveria ter sido possível: o velho regime deixou ao país um grande quadro de trabalhadores altamente capacitados.

    Na verdade, emigrantes russos foram uma força importante por trás do notável boom tecnológico de Israel —e o governo Putin não parece ter problemas para recrutar hackers talentosos para ler arquivos confidenciais do Comitê Nacional do Partido Democrata norte-americano. Mas a Rússia não realizará seu potencial tecnológico sob um regime no qual o sucesso nos negócios depende primordialmente de conexões políticas.

    Assim, a gestão da economia por Putin não merece elogios especiais. E quanto a outros aspectos de sua liderança?

    A Rússia tem, é claro, grandes forças armadas, que usou para anexar a Crimeia e apoiar os rebeldes do leste da Ucrânia. Mas esse abuso da força torna a Rússia mais fraca, e não mais forte. A Crimeia, especialmente, não representa uma grande conquista. Seu território abriga menos população do que os distritos nova-iorquinos de Queens ou Brooklyn, e em termos econômicos ela é mais passivo do que ativo, porque a tomada do território pelos russos solapou o turismo, a atividade econômica básica da região até lá.

    Uma observação: estranhamente, algumas pessoas acreditam que exista contradição entre a zombaria democrata quanto ao romance másculo entre Trump e Putin e a zombaria do presidente Barack Obama contra seu oponente Mitt Romney, na campanha presidencial de 2012, por este ter definido a Rússia como "nosso inimigo geopolítico número 1". Mas não há contradição alguma: a Rússia tem um regime horrível mas, como disse Obama, é "uma potência regional", e não uma superpotência como a antiga União Soviética.

    Por fim, e quanto ao poder brando, a capacidade de persuadir por meio dos atrativos e valores de uma cultura? A Rússia não conta com muito desse poder —a não ser, talvez, entre os direitistas que acham a pose de macho e a crueldade de Putin atraentes.

    O que nos conduz de volta à importância do culto a Putin, e à maneira pela qual esse culto atraiu a adesão irrestrita do candidato republicano à presidência.

    Existem bons motivos para que nos preocupemos sobre as conexões pessoais entre Trump e o regime de Putin (ou oligarcas próximos ao regime, o que na prática é a mesma coisa). Que importância teve o dinheiro russo na manutenção do precário império empresarial de Trump? Existem indicações de que isso pode ter sido muito importante, mas dado o apego de Trump ao segredo e à sua recusa em divulgar suas declarações de impostos, ninguém tem como saber.

    Para além disso, porém, admirar Putin significa admirar alguém que despreza a democracia e as liberdades civis. Ou, mais precisamente, significa admirar alguém por causa desse desprezo.

    Quando Trump e outros elogiam Putin como "líder forte", não querem dizer que ele restaurou a grandeza da Rússia, porque não o fez. Ele pouco realizou na frente econômica, e suas conquistas, e não são muitas, parecem patéticas. O que ele fez, porém, foi esmagar seus rivais internos. Quem se opõe ao regime de Putin provavelmente terminará encarcerado ou morto. Forte!

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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