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    Paul Krugman

    Republicanos que apoiaram Trump estão no mesmo barco que ele agora

    24/10/2016 11h08

    Jonathan Ernst - 22.out.2016/Reuters
    Candidato republicano, Donald Trump, durante evento de campanha presidencial
    Candidato republicano, Donald Trump, durante evento de campanha presidencial

    A campanha presidencial dos Estados Unidos está entrando em suas semanas finais, e a menos que as pesquisas estejam completamente equivocadas, Donald Trump tem muito pouca chance de vencer —apenas 7%, de acordo com o modelo Upshot desenvolvido pelo "New York Times".

    Enquanto isso, o candidato continua a dizer coisas repulsivas, e os analistas vêm questionando se os demais integrantes da chapa republicana vão por fim começar a repudiar o indicado por seu partido.

    A resposta deveria ser: que diferença faz? Todo mundo que um dia declarou apoio a Trump está no mesmo barco que ele, agora. É tarde demais para mudar de ideia e pedir o dinheiro de volta. E os eleitores deveriam perceber que votar em qualquer pessoa que tenha aderido a Trump representa um voto no "trumpismo", para todos os efeitos, não importa o que aconteça na porção presidencial da eleição.

    Para começar, ninguém que esteja prestando atenção à campanha pode afirmar que descobriu alguma coisa nova sobre Trump nas últimas semanas. Era evidente desde o começo que ele é um "trapaceiro" —o termo empregado para defini-lo por Marco Rubio, que mesmo assim terminou por endossar sua candidatura. Seu racismo e sexismo eram aparentes desde o início da campanha; seu rancor vingativo e falta de autodisciplina já estavam aparentes em suas diatribes contra o juiz Gonzalo Curiel e Khizi Khan.

    Assim, qualquer político que tente, depois da eleição, se distanciar do fenômeno Trump —ou mesmo retirar seu apoio a ele nos poucos dias que nos separam do pleito— já terá sido reprovado em um teste de caráter. Todos sabiam quem ele era desde o começo. Sabiam que se tratava de um homem que jamais, em momento algum, deveria ser autorizado a ocupar qualquer posto de alta responsabilidade, quanto mais a presidência.

    Mas ainda assim recusaram se pronunciar contra a candidatura dele enquanto lhes parecia que Trump tinha chance de vencer —ou seja, expressaram apoio quando isso era importante e tentaram se distanciar só depois que deixou de sê-lo. Essa é uma imensa falha moral, e merece ser recordada exatamente assim.

    É claro que sabemos por que a grande maioria dos políticos republicanos apoiou Trump, a despeito de ele ser uma pessoa horrível. Temiam perder espaço junto à base do partido caso não o fizessem. Mas isso não é desculpa. Pelo contrário: é motivo para confiar ainda menos nessas pessoas. Já estamos cientes de que lhes falta rigidez moral, e de que farão o que quer que seja necessário para garantir sua sobrevivência política.

    E o que isso significa em termos práticos é que eles continuarão a ser "trumpistas" depois da eleição, mesmo que o Homem do Cabelo Laranja desapareça de cena.

    Afinal, o quer aprendemos com as primárias republicanas foi que a base do partido não parece se incomodar minimamente com aquilo que a elite do partido diz: Jeb Bush (lembram-se dele?), a escolha inicial dos poderosos, não chegou lugar algum apesar de seus vastos recursos de campanha, e Rubio, que o sucedeu como preferido da elite do partido, se saiu bem pouco melhor. E a base tampouco se preocupa com supostos princípios conservadores, tais como reduzir o tamanho do governo.

    O que os eleitores republicanos querem, em lugar disso, são candidatos que canalizem sua raiva e seu medo, que demonizem as pessoas não brancas e expressem simpatia por teorias sinistras de conspiração. (Mesmo os candidatos preferidos pela elite republicana agiram assim —não se esqueçam de que Rubio acusou o presidente Barack Obama de ferir os Estados Unidos.)

    Se você ainda tem alguma dúvida sobre essa realidade política, uma pesquisa de opinião pública da Bloomberg recentemente perguntou a republicanos que posição política representa melhor a visão pessoal deles sobre os valores do partido —a de Trump ou a de Paul Ryan. E a resposta que venceu por imensa maioria foi "a posição de Trump".

    Essa lição não escapou à atenção dos políticos republicanos. Mesmo que Trump perca feio, eles saberão que seu sucesso pessoal dependerá de manterem uma linha essencialmente similar à do candidato presidencial. De outra forma, enfrentarão sérios desafios nas primárias e/ou correrão o risco de derrota em futuras eleições caso a base de seu partido opte por não ir às urnas.

    Assim, pode ignorar todos os esforços para retratar Trump como um desvio no verdadeiro percurso do Partido Republicano. Os valores de Trump são aquilo em torno do qual o partido gira. Talvez no futuro a agremiação venha a encontrar representantes com melhor controle sobre seus impulsos e menos esqueletos no armário, mas a malevolência subjacente é agora parte do ADN do partido.

    E as consequências imediatas serão muito feias. Presumindo que Hillary Clinton vença, ela enfrentará um partido de oposição que a demoniza e nega sua legitimidade, não importa o quanto sua margem de vitória venha a ser grande. Pode ser difícil imaginar comportamentos mais obstrutivos e destrutivos do que os adotados pelo Partido Republicano em sua oposição a Obama, mas pode acreditar: eles descobrirão como fazê-lo.

    Na verdade, as coisas podem ficar tão ruins que a governabilidade dos Estados Unidos estará em jogo. A reconquista do Senado pelo Partido Democrata seria muito importante, mas é improvável que o partido consiga tomar também o controle da Câmara, graças à aglomeração geográfica de seu eleitorado.

    Assim, como é que atividades essenciais da política, a exemplo do processo orçamentário, poderão ser conduzidas? Alguns observadores já estão imaginando cenários nos quais a Câmara seria na prática comandada pelos democratas, em cooperação com uma pequena facção de republicanos racionais. Vamos esperar que isso aconteça - mas essa não é a maneira certa de administrar uma grande nação.

    No entanto, é difícil vislumbrar uma alternativa. Pois o Partido Republicano moderno é o partido de Trump, com ou sem o homem em questão no comando.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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