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    Paul Krugman

    Avaliações dos 100 dias do governo Trump chegaram e são horríveis

    01/05/2017 11h27

    As avaliações sobre os primeiros 100 dias do governo Trump chegaram, e são todas horríveis. O governo não para de levar tombos quanto à reforma da saúde; o "plano" tributário da administração Trump oferece menos detalhes do que um cupom fiscal de supermercado; Trump arregou de suas promessas de adotar uma política agressiva de comércio externo. A distância entre as bazófias grandiosas e as realizações minúsculas jamais foi tão grande.

    E mesmo assim apareceram cerca de 7.000 artigos na imprensa, pela minha contagem —e admito que é só uma estimativa sem muita base—, sobre como os partidários de Trump continuam a apoiá-lo firmemente, e sobre como eles estão zangados com os malvadinhos da mídia noticiosa, e sobre como todos eles repetiriam seu voto no presidente se a eleição acontecesse de novo. O que está acontecendo?

    A resposta, sugiro, está escondida nos detalhes do mais recente relatório sobre o PIB (Produto Interno Bruto) dos Estados Unidos. Sim, juro.

    Nos últimos meses, muitos dos economistas que acompanham desdobramentos de curto prazo vêm reparando em uma divergência peculiar entre os dados objetivos e os dados subjetivos. Os dados subjetivos são coisas como pesquisas sobre a confiança dos consumidores e das empresas; os dados objetivos são coisas como as vendas reais do varejo.

    Normalmente, esses dois conjuntos de dados contam histórias semelhantes (o que explica por que os dados subjetivos são úteis como uma espécie de sistema de alerta antecipado sobre os dados objetivos que virão a seguir). Desde a eleição de 2016, no entanto, os dois conjuntos de dados passaram a divergir, com uma disparada na confiança registrada em pesquisas —acompanhada, sim, por uma alta nos preços das ações— mas nenhum sinal real de aceleração na atividade econômica.

    O engraçado sobre esse ganho de confiança, no entanto, é que ele aconteceu basicamente em linhas partidárias —a confiança dos democratas declinou fortemente e a dos republicanos registrou grande alta. Isso provoca uma questão óbvia: será que as pessoas que se declararam muito mais confiantes estavam de fato se sentindo melhor sobre suas perspectivas econômicas, ou será que estavam usando a pesquisa como oportunidade de afirmar que sua escolha eleitoral foi a certa?

    Bem, se os consumidores estão mesmo se sentindo altamente confiantes, eles não estão agindo com base nesse sentimento. O relatório sobre o PIB do primeiro trimestre, que mostra uma redução do crescimento, não foi tão ruim quanto parece: questões técnicas envolvendo estoques e ajustes sazonais (não é nada que você queira saber) significam que o crescimento subjacente foi provavelmente razoável, ainda que não ótimo. Mas os gastos com o consumo ficaram claramente travados.

    As provas, em outras palavras, indicam que quando os eleitores de Trump se declaram altamente confiantes, estão mais afirmando sua identidade política do que indicando o que pretendem fazer, ou, talvez, mais afirmando sua identidade política do que indicando aquilo em que realmente acreditam.

    Eu ouso sugerir que os grupos de foco sobre a economia e as pesquisas de opinião entre os eleitores de Trump talvez tenham algo de similar.

    Um princípio básico que aprendi em meus anos como colunista do "New York Times" é que quase ninguém admite ter errado em qualquer coisa —e quanto maior o erro, menor a disposição de admiti-lo.

    Por exemplo, quando a Bloomberg fez uma pesquisa com um grupo de economistas que haviam previsto que as políticas de Ben Bernanke [então presidente do banco central norte-americano] causariam inflação descontrolada, a agência não encontrou um único profissional disposto a admitir, depois de anos de inflação baixa, que suas previsões estavam erradas.

    Agora pense no que isso significa para aqueles que votaram em Trump. A mídia noticiosa passou boa parte da campanha envolvida em uma orgia de falsa equivalência; mesmo assim, a maioria dos eleitores provavelmente recebeu a mensagem de que a elite política e da mídia considerava Trump ignorante e desqualificado em termos de temperamento para ser presidente.

    Assim, votar em Trump tinha um forte componente de "ha! Vocês da elite se acham espertos, não? Pois agora nós vamos mostrar o que pensamos sobre isso".

    Hoje está claro que Trump é ignorante e não está qualificado para a presidência, em termos de temperamento. Mas se você acha que seus partidários aceitarão o fato em curto prazo, bem, você não conhece muito a natureza humana. De um modo perverso, o fato de que Trump seja tão horrível lhe fornece alguma proteção política. Os partidários dele não estão prontos, pelo menos por enquanto, para admitir que cometeram um erro tão enorme.

    Também é justo acrescentar que o governo de Trump teve pouco efeito sobre a vida cotidiana. Até o momento, as falhas de Trump se relacionam mais a coisas que não aconteceram do que àquelas que estão acontecendo. Por isso ainda é fácil, para as pessoas de uma certa inclinação, descartar as reportagens negativas como efeito da parcialidade da mídia.

    Mais cedo ou mais tarde, porém, essa barragem se romperá.

    Escolho essa metáfora propositadamente. Tenho idade suficiente para me lembrar de quando George W. Bush era imensamente popular —e embora seus números tenham caído gradualmente depois do 11 de setembro, foi um processo lento. O que realmente levou seus antigos simpatizantes a reconsiderar, em minha percepção —uma percepção confirmada por pesquisas de opinião pública—, foi o fiasco do furacão Katrina, que expôs a insensibilidade e incompetência do governo Bush ao vivo na TV.

    Como será o momento Katrina de Trump? Será causado pelo colapso dos planos de saúde por conta da sabotagem do governo? Uma recessão que a atual Casa Branca não fará ideia de como enfrentar? Um desastre natural ou crise de saúde pública? Não importa que forma tome, isso vai acontecer.

    Oh, e mais uma consideração: quando chegou 2006, a maioria das pessoas entrevistadas em pesquisas de opinião pública afirmava ter votado em John Kerry na eleição presidencial de 2004. Será interessante, daqui a dois anos, estudar a proporção de pessoas que admitem ter votado em Donald Trump.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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