• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 07:57:49 -03
    Paul Krugman

    Fascismo ao estilo dos EUA

    28/08/2017 16h35

    Mary Altaffer - 26.jan.2016/Associated Press
    FILE - In this Jan. 26, 2016 file photo, then-Republican presidential candidate Donald Trump is joined by Joe Arpaio, the sheriff of metro Phoenix, at a campaign event in Marshalltown, Iowa. President Donald Trump has pardoned former sheriff Joe Arpaio following his conviction for intentionally disobeying a judge's order in an immigration case. The White House announced the move Friday night, Aug. 25, 2017, saying the 85-year-old ex-sheriff of Arizona's Maricopa County was a "worthy candidate" for a presidential pardon. (AP Photo/Mary Altaffer, File) ORG XMIT: NY117
    O ex-xerife Joe Arpaio discursa ao lado de Donald Trump em comício no Arizona em janeiro de 2016

    Como xerife do condado de Maricopa, no Arizona, Joe Arpaio praticou discriminação racial gritante. Seus policiais perseguiam sistematicamente as pessoas de etnia hispânica, muitas vezes detendo-as por acusações espúrias e ao menos ocasionalmente espancando-as quando elas contestavam essas acusações. Basta ler o relatório da divisão de direitos civis do Departamento da Justiça sobre o caso e você se sentirá horrorizado.

    E quando os hispânicos eram detidos, coisas ruins lhes aconteciam. Muitos eram enviados a Tent City, que Arpaio mesmo descreveu orgulhosamente como "um campo de concentração", onde os prisioneiros viviam sob condições brutais, com temperaturas que ocasionalmente chegavam aos 63 graus dentro das barracas.

    E quando o xerife recebeu ordens judiciais de abandonar essas práticas, simplesmente as ignorou, o que resultou em sua condenação, depois de décadas no posto, por desacato à Justiça.

    Mas ele tinha amigos em postos elevados, de fato no mais elevado dos postos. Sabemos agora que Donald Trump tentou conseguir que o Departamento da Justiça abandonasse o processo contra Arpaio —o que representa uma clara tentativa de obstrução da Justiça. E quando a manobra fracassou, Trump, que já havia dado a entender que Arpaio havia sido condenado "por fazer seu trabalho",o livrou de punições usando o poder presidencial de perdão.

    Aliás, falando em "fazer seu trabalho", a realidade é que os policiais comandados por Arpaio estavam ocupados demais detendo pessoas de pele escura e investigando a certidão de nascimento do presidente Barack Obama para fazer outras coisas, como por exemplo investigar casos de abuso sexual contra crianças. Prioridades!

    É preciso dar às coisas o nome que elas merecem, aqui. Arpaio é evidentemente membro do movimento pela supremacia branca. Mas no caso dele as coisas vão além. Existe uma palavra para descrever regimes políticos que aprisionam membros de minorias e os enviam a campos de concentração, e rejeitam o Estado de Direito. Aquilo que Arpaio levou a Maricopa, e aquilo que o presidente dos Estados Unidos acaba de endossar, é simplesmente fascismo, ao estilo americano.

    Como chegamos a esse ponto, afinal?

    Os motivos de Trump são fáceis de entender. Para começar, Arpaio, racista e autoritário, é o tipo de sujeito de que Trump gosta. Além disso, o perdão foi um sinal àqueles que possam se sentir tentados a aceitar acordos com o procurador especial cujas investigações sobre a Rússia estão chegando cada vez mais perto da Casa Branca: Não se preocupem. Eu os protegerei.

    Por fim, defender pessoas brancas que oprimem pessoas de pele escura satisfaz a base eleitoral de Trump, de quem ele precisará mais que nunca à medida que os escândalos se aproximam mais e mais dele, e dada a incapacidade que já demonstrou para cumprir suas grandes promessas políticas.

    Mas a base de eleitores brancos irados e leais a Trump representa uma clara minoria no país como um todo. E além disso, esse eleitorado sempre existiu. Há 15 anos, escrevendo sobre a radicalização do Partido Republicano, eu chutei que o núcleo duro de eleitores irados era da ordem de 20% do eleitorado. O palpite continua razoável.

    O que torna possível que Trump e pessoas como ele conquistem e retenham o poder é a aquiescência de pessoas —tanto eleitores quanto políticos— que não são defensoras da supremacia branca, e mais ou menos acreditam no Estado de Direito, mas se dispõem a acomodar os racistas e os praticantes de ilegalidades caso isso pareça servir seus interesses.

    O número de reportagens sobre os eleitores brancos de baixo nível educacional que optaram por Trump em novembro passado é incontável. Mas ele não teria conquistado a presidência sem milhões de votos de republicanos de bom nível educacional que —a despeito das falsas equivalências promovidas em ritmo frenético pela mídia ou (pior) do suposto caso dos e-mails de Hillary Clinton— não tinham desculpa para não compreender que tipo de homem o presidente é. Por qualquer que seja a razão —tribalismo político ou a busca de impostos mais baixos—, esses eleitores ainda assim votaram nele.

    Dados os poderes que conferimos ao presidente, que de algumas maneiras pode ser descrito como um quase ditador eleito, entregar o posto a alguém propenso a abusar de seu poder é um convite à catástrofe. O único controle real vem do Congresso, que tem o poder de derrubar um presidente; basta o potencial de impeachment para restringir as ações de um mau presidente.

    Mas os republicanos controlam o Congresso. E quantos deles, exceto John McCain, ofereceram críticas abertas ao perdão conferido a Arpaio?

    Muito poucos, é a resposta. Paul Ryan, presidente da Câmara dos Deputados, declarou por meio de um porta-voz que "não concorda com a decisão" —uma declaração nada enfática. Mas Ryan ainda assim fez mais do que a maioria de seus colegas, que simplesmente se calaram.

    Isso é um mau sinal, se, como parece, o perdão a Arpaio representar apenas um começo. Podemos bem estar vivendo os estágios iniciais de uma crise constitucional.

    Alguém considera impensável que Trump demita Robert Mueller e tente encerrar as investigações sobre suas conexões pessoais e políticas com a Rússia? Alguém confia em que os republicanos do Congresso farão alguma coisa mais que expressar amena discordância com a ação do presidente, caso ele o faça?

    Como eu disse, existe uma palavra para pessoas que aprisionam membros de minorias étnicas e as enviam a campos de concentração, ou elogiam esse tipo de ação. Também existe uma palavra para as pessoas que, por covardia ou autointeresse, acedem a esses abusos: colaboracionistas. Quantos colaboracionistas teremos? Temo que a resposta se torne clara em breve.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024