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    Paul Krugman

    Trump não trará felicidade para os ricaços

    31/10/2017 13h42

    Ting Shen - 26.out.2017/Xinhua
    (171026) -- WASHINGTON D.C., octubre 26, 2017 (Xinhua) -- El presidente estadounidense, Donald Trump, pronuncia un discurso durante un evento en el que destaca los esfuerzos para combatir la crisis de opioides, en la Casa Blanca, en Washington D.C., Estados Unidos, el 26 de octubre de 2017. El presidente de Estados Unidos, Donald Trump, declaró el jueves una emergencia nacional de salud pública por el abuso de opioides en Estados Unidos y prometió "construir un muro" para enfrentar el creciente azote. (Xinhua/Ting Shen) (da) (fnc)
    O presidente Donald Trump em discurso na Casa Branca, em Washington

    No final de semana, Donald Trump se esgoelou contra a "caça às bruxas" da investigação sobre a conexão russa, afirmando que era um esforço para distrai-lo de seus "Corte de Impostos e Reforma históricos". E de fato existe uma conexão entre as duas coisas - mas na direção oposta. Caso Trump sobreviva à crise —o que talvez signifique que a democracia dos Estados Unidos não o fará -, os cortes de impostos serão parte importante do motivo.

    Pois os republicanos do Congresso sabem perfeitamente bem que Trump é completamente inapto para seu posto, e vem abusando de sua posição para ganho pessoal. Muitos deles certamente suspeitavam, muito antes dos indiciamentos de segunda-feira, que membros do círculo íntimo do presidente, e talvez ele pessoalmente, tivessem participado de um conluio com uma potência estrangeira hostil.

    Se mesmo assim decidirem fechar questão em defesa de Trump —especialmente se permitirem que ele demita o procurador especial Robert Mueller, o que parece muito provável a esta altura—, haverá um motivo principal: Trump lhes oferece sua grande oportunidade de cortar os impostos dos muitos ricos. O Centro de Política Tributária, uma organização apartidária, estima, de fato, que quase 80% do corte de impostos de Trump beneficiaria pessoas com renda anual superior a US$ 1 milhão; para elas, a redução média nos impostos anuais seria da ordem de US$ 230 mil.

    Mas eis o que realmente me espanta: os doadores ricos de verbas de campanha eleitoral, pelos quais o Partido Republicano fará qualquer coisa, o que inclui acobertar traição, não serão felizes com seu corte de impostos.
    Não quero dizer que a História os julgará rispidamente, ainda que isso certamente vá acontecer. Não quero dizer nem mesmo que os plutocratas sofrerão tanto quanto os plebeus caso os Estados Unidos se tornem um regime autoritário e sem lei. O que quero dizer é que algumas centenas de milhares de dólares a mais por ano pouco farão, se alguma coisa, para tornar os ricos mais satisfeitos com suas vidas.

    Você talvez questione: e daí? Mesmo que os cortes de impostos viessem a propiciar alegria aos ricos, isso não deveria contar diante da imensa miséria que os republicanos querem impor às dezenas de milhões de pessoas que eles planejam privar de serviços de saúde, assistência alimentar, benefícios por deficiências e outros programas.

    Ainda assim, por algum motivo me parece fascinante que toda essa miséria, e mais a possível destruição de nosso governo constitucional, possam acontecer sem que os supostos beneficiários saiam do processo mais felizes.

    É claro que ter dinheiro é bom, e eu pessoalmente estou longe de ser ascético. Em Nova York, e em 2017, especialmente, a vida só é boa se você puder bancar um lugar decente para morar, e isso não é barato.

    Além disso, há muitas indicações, tanto sobre os Estados Unidos quanto em comparação com outros países, de que, caso outros fatores não variem, ter mais dinheiro torna as pessoas mais felizes. Mas esses indicadores se baseiam em pesquisas que não capturam o que está acontecendo no topo da pirâmide de distribuição de renda. Para descobrir o que significa esse dinheiro adicional para aqueles que estão no alto, é preciso recorrer a fontes menos formais de observação.

    Um exemplo é a reação ao aumento de impostos que o presidente Obama decretou em 2013. Pouca gente parece ciente de que os ricos tiveram de encarar um aumento salgado de impostos naquele ano —a alíquota média de impostos federais para o 1% mais rico dos norte-americanos subiu de 29% para 34% de sua renda—, graças ao fim do corte de impostos decretado por George W. Bush e à adoção de novos tributos para ajudar a bancar a reforma da saúde.

    Você se recorda de ter visto choro e ranger de dentes da parte da elite econômica? Eu não; muitos dos norte-americanos mais afluentes mal parecem ter notado o aumento.

    Outro exemplo é um fascinante artigo que a revista "Fortune" publicou em 1955 sobre as vidas dos executivos mais importantes do país. Na época, graças ao imposto de renda alto e à compressão salarial, esses homens pareciam muito mais pobres do que seus antecessores em 1930. O executivo de 1955 tinha de se conformar com uma lancha, em lugar de um iate, "e se vira com apenas um ou dois empregados domésticos."

    Mas a sensação que o artigo transmite é a de homens satisfeitos com suas vidas. Talvez toda a riqueza que aqueles sujeitos perderam por conta do New Deal —e que recuperaram, multiplicada muitas vezes, em nossa segunda Era Dourada— não fizesse grande coisa por sua felicidade.

    É evidente que a busca de riqueza tem mais a ver com status e poder —como Tom Wolf escreveu em 1968, a ideia é "que eles pulem quando eu mando que pulem". Pode-se perceber esse fato no gosto pessoal de Trump quanto a mobília, que um artigo do site Politico descreveu, perceptivamente, como "ditador chic" —ou seja, móveis projetados não para serem confortáveis, mas para impressionar e intimidar.

    Mas um corte de impostos que beneficie todos os norte-americanos afluentes não propiciaria o ganho de status que muitos dos ricos verdadeiramente buscam, porque o sujeito da mansão ao lado desfrutaria de corte semelhante.

    Uma vez mais, é bem possível que nada disso importe muito. A agenda política do Partido Republicano, cujo objetivo é recompensar os ricos à custa dos pobres e da classe trabalhadora, seria vil mesmo que os cortes de impostos entusiasmassem muito os ricos. A disposição do partido de fechar os olhos à corrupção, com um toque de traição, seria horripilante não importa que motivo tenha. Mas a situação toda parece despertar uma dose extra de repugnância, se você percebe que essa traição não serve a qualquer propósito real, mesmo que a um mau propósito.

    E quem sabe, talvez, os membros da classe doadora de verbas eleitorais ao Partido Republicano tomem esse momento de crise nacional para se perguntarem o que realmente importa. Pois que vantagem advirá a um homem que desfrute de um corte de impostos de US$ 230 mil se isso levar seu país, antes democrático, a perder a alma?

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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