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    Paul Krugman

    Guerra de classes republicana: a próxima geração

    14/11/2017 15h31

    Um dia desses, Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado dos Estados Unidos, admitiu ao "New York Times" que havia "se equivocado" ao declarar que o plano tributário de seu partido não aumentaria os impostos de qualquer família de classe média. Mas o equívoco dele foi usar o termo "equívoco". O termo correto é "mentira".

    McConnell foi forçado a essa quase admissão por um novo relatório do Comitê Conjunto de Tributação, um órgão do Congresso norte-americano que constatou que milhões de famílias de classe média pagariam mais impostos, sob a proposta dos republicanos do Senado. Mas não estamos falando de um erro modesto ou técnico da parte do senador.

    Tanto a proposta do Senado quanto a medida semelhante apresentada pelos republicanos da Câmara oferecem grandes cortes de impostos para as empresas e os ricos, e tentam limitar o impacto desses cortes de impostos sobre o deficit orçamentário por meio da eliminação de créditos e isenções tributários que beneficiam principalmente a classe média. É óbvio que os impostos subiriam, para muita gente na classe média.

    Mas concentrar as atenções no número de pessoas que veriam aumentos de impostos é apenas uma pequena parte do que está acontecendo.

    Uma guerra de classes da elite contra a massa, somada a falsas afirmações de que os impostos da classe média serão cortados, é o padrão operacional do Partido Republicano há muito tempo. O fato é que o atual debate sobre os impostos inspirará uma sensação esmagadora de déjà vu, para pessoas de uma certa idade e interessadas em políticas públicas, porque muitos dos truques que os republicanos estão usando vêm diretamente do manual de operações do governo Bush em 2001 e 2003.

    Isenções fiscais que entram em vigor em datas separadas, para fazer com que o impacto das medidas sobre o orçamento pareça menor? Sim, isso é parte do plano. Usar exemplos e cálculos enganosos para criar a falsa impressão de que a classe média verá um corte de impostos? Também. Fingir que os cortes de impostos têm custo zero, e que não terão de ser compensados no futuro por cortes de verbas em programas populares? Sim, isso faz parte do plano, igualmente.

    Mas também existem alguns aspectos inéditos, nessa nova manobra de enriquecimento dos ricos. Desta vez, de modo muito mais claro do que no passado, o objetivo parece ser favorecer a riqueza, especialmente a riqueza herdada, ante o trabalho. E soterradas nos detalhes do projeto há numerosas cláusulas que tornariam muito mais difícil a ascensão social, para os filhos da classe média e da classe trabalhadora.

    Quanto aos ricos: o principal exemplo é a maneira pela qual o Partido Republicano pretende eliminar ou reduzir acentuadamente os impostos sobre a riqueza herdada, que no momento se aplicam apenas a um pequeno número de espólios de alto valor. Sim, os republicanos continuam a fingir que sua ideia é ajudar as pequenas empresas familiares e as fazendas familiares, mas isso já virou piada, e piada de humor negro, a essa altura. As melhores estimativas sugerem que apenas 80 –isso mesmo: oito-zero– empresas e fazendas desse tipo pagam impostos sobre heranças a cada ano nos Estados Unidos. O objetivo da proposta é simplesmente tornar os ricos ainda mais ricos –e ponto final.

    Há outros exemplos importantes, como uma nova brecha na regulamentação tributária que beneficiaria os donos de empresas –desde que eles não comandem de fato suas empresas. E há mais. Mas permita-me mudar de foco, em lugar disso, para aquilo que os republicanos estão tentando fazer com as famílias comuns.

    Continuamos a esperar por uma análise detalhada da proposta do Senado, mas o projeto de lei da Câmara não se limita a elevar os impostos de muitas famílias de classe média: ele eleva seletivamente os impostos das famílias com filhos. A verdade é que metade –metade!– das famílias com filhos pagarão mais impostos quando todos os aspectos do pacote estiverem em vigor.

    Suponha que um filho de uma família de classe trabalhadora decida fazer uma universidade, apesar das dificuldades financeiras, e que recorra ao crédito estudantil para pagar as mensalidades. Bem, adivinhe: nos termos do projeto de lei da Câmara, os juros que ele pagaria sobre esse crédito já não poderão ser deduzidos dos impostos, o que elevaria substancialmente o custo de um curso superior.

    E se você estuda e trabalha ao mesmo tempo, e seu empregador contribui para suas despesas educacionais? O projeto de lei da Câmara tributaria o valor dessa contribuição.

    O que estamos contemplando aqui, portanto, são diversas medidas que limitarão as oportunidades de crianças que não foram inteligentes o bastante para escolher pais ricos.

    Enquanto isso, as verbas do Programa de Seguro-Saúde da Criança, que cobre mais de oito milhões de crianças norte-americanas, expiraram há um mês e meio –e até agora os republicanos não fizeram qualquer esforço sério para restaurá-las. Isso certamente prenuncia o que virá. Se os cortes de impostos forem aprovados, e o deficit explodir, o Partido Republicano subitamente decidirá que o deficit importa, uma vez mais, e vai exigir cortes em programas sociais, muitos dos quais beneficiam as crianças de famílias de baixa renda.

    Assim, não estamos falando apenas de uma guerra de classes comum; essa é uma guerra de classes cujo objetivo é perpetuar a desigualdade na próxima geração. Somados, os elementos dos projetos da Câmara e do Senado representam um esforço mais ou menos sistemático de cobrir de benefícios os filhos dos muito ricos e de dificultar a ascensão social dos jovens menos afortunados.

    Ou, para expressar a questão em outros termos, a legislação tributária cuja aprovação os republicanos estão tentando forçar com pressa indecente no Congresso, sem audiências ou tempo para estudos sérios de qualquer espécie, parece uma tentativa não só de reforçar a plutocracia, mas de proteger para sempre a posição de uma plutocracia hereditária.

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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