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    Paul Krugman

    Trump foi horrível como esperado, mas nem tudo está perdido nos EUA

    26/12/2017 13h02

    Muitos de nós esperávamos o pior, em 2017. E, de muitas maneiras, nós recebemos mesmo o pior.

    Donald Trump foi tão horrível quanto se poderia esperar; e continua, dia após dia, a se provar indigno de seu cargo, intelectual e moralmente. E o Partido Republicano —o que inclui os chamados moderados— provou na verdade ser ainda pior do que se poderia esperar.

    A esta altura, é formado inteiramente por cínicos políticos de carreira dispostos a vender todos os seus princípios —e cada farrapo da dignidade que lhes resta— para que os doadores de verbas de campanha recebam grandes cortes de impostos.

    Enquanto isso, a mídia conservadora nem finge mais realizar reportagens reais, e se tornou um órgão escancarado de propaganda para o partido governante.

    Mas estou terminando o ano com um sentimento de esperança, porque dezenas de milhões de norte-americanos estiveram à altura da ocasião. Os Estados Unidos talvez ainda venham a se tornar uma nova Turquia ou Hungria —um Estado que preserva as formas democráticas mas na prática se tornou um regime autoritário. Mas isso não acontecerá com a rapidez ou a facilidade que muitos de nós temíamos.

    No começo do ano, o articulista David Frum alertou que a queda ao autoritarismo seria impossível de deter "se as pessoas se recolherem às suas vidas pessoais, se o cinismo se tornar endêmico". Mas até agora isso não aconteceu.

    O que vimos em lugar disso foi o surgimento de uma resistência muito energizada. Essa resistência se fez visível já um dia depois da posse de Trump, em 21 de janeiro, quando imensas marchas de protestos femininas apequenaram a minúscula plateia da posse. Se a democracia dos Estados Unidos sobreviver a esse terrível episódio, voto que façamos dos gorrinhos cor de rosa com orelhas de gato o símbolo de nossa libertação do mal que o país está sofrendo.

    A resistência continuou com multidões de eleitores locais que confrontaram os legisladores republicanos quando eles tentaram revogar a Lei de Acesso à Saúde. E caso alguém ainda duvide que as multidões que protestam contra Trump e a opinião muito negativa sobre ele nas pesquisas possam se transformar em ação política concreta, uma série de derrotas republicanas em eleições especiais —coroada por uma imensa onda democrata na Virgínia e por uma virada surpreendente na eleição de um senador para o Alabama— puseram fim a essa dúvida.

    Quero ser claro: os Estados Unidos estão em perigo mortal. Os republicanos ainda controlam todas as alavancas do poder federal, e em nenhum momento de nossa história fomos governados por pessoas menos confiáveis.

    Isso com certeza se aplica a Trump, que claramente aspira a ser ditador e não tem qualquer respeito pelas normas democráticas. Mas vale igualmente para os republicanos do Congresso, que demonstraram repetidamente que nada farão para limitar as ações do presidente. O partido o apoia quando usa seu posto para se enriquecer, e aos seus comparsas, quando ele fomenta o ódio racial, e no expurgo em câmera lenta que ele está promovendo no Departamento da Justiça e no Serviço Federal de Investigações (FBI).

    Na verdade, temos uma estranha dinâmica em ação nos últimos meses. Quanto piores as coisas parecem para Trump, mais os republicanos se atrelam a ele. A expectativa era de que as recentes derrotas eleitorais do partido dessem mais força aos moderados entre os republicanos. Em lugar disso, senadores como John McCain e Susan Collins, muito elogiados por resistirem à revogação do Obamacare meses atrás, aprovaram meigamente um projeto de reforma tributário horrendo.

    E as provas crescentes de conluio entre a direção de campanha de Trump e a Rússia não parecem ter induzido qualquer republicano importante que já não fosse inimigo declarado de Trump a assumir uma posição mais firme. Em lugar disso, vimos políticos que antes o criticavam, como o senador Lindsey Graham, se tornarem sicofantas obsequiosos que promovem os resorts do presidente.

    Assim, fica claro que não podemos contar com as consciências dos republicanos como proteção. E precisamos ser especialmente realistas sobre os resultados da investigação comandada por Robert Mueller. A melhor aposta é que, não importa o que Mueller descubra, não importa o quanto essas descobertas sejam incriminadoras, e não importa o que Trump faça —mesmo que se trate de obstrução flagrante da Justiça—, as maiorias republicanas no Congresso apoiarão o presidente e continuarão a louvá-lo.

    Em outras palavras, enquanto os republicamos controlarem o Congresso, os controles e contrapesos constitucionais não cumprirão sua função.

    Cabe ao povo dos Estados Unidos encontrar a respostas. As pessoas podem se fazer ouvir nas ruas, mais uma vez. E certamente terão de fazer com que sua força seja sentida nas urnas.

    É uma tarefa difícil, porque o jogo claramente não é limpo. Recorde que Trump perdeu no voto popular mas terminou na Casa Branca do mesmo jeito, e as eleições legislativas nada terão de justas. A manipulação das fronteiras dos distritos eleitorais e a concentração de eleitores democratas em distritos urbanos criou uma situação na qual os democratas podem vencer a eleição por grande maioria mas ainda assim não reconquistar o controle da Câmara dos Deputados.

    E mesmo que os eleitores se ergam efetivamente contra as pessoas horríveis que têm o poder no momento, ainda estaremos longe de restaurar os valores básicos dos Estados Unidos. Nossa democracia precisa de dois partidos decentes, e o Partido Republicano a esta altura parece irrecuperavelmente corrupto.

    Mesmo na melhor das hipóteses, em outras palavras, a luta para que voltemos a ser a nação que supostamente desejamos ser será muito longa. Mas ainda assim, como já disse, estou muito mais otimista do que estava há um ano. Os Estados Unidos ainda não estão perdidos.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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