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    Pedro Diniz

    Mostra em NY será polêmica de 2018 ao expor relação entre religião e moda

    11/08/2017 17h37

    Divulgação
    Veu criado pela Dolce & Gabbana para a clientela muculmana
    Modelo mostra véu criado pela Dolce & Gabbana em 2016 para a clientela muçulmana

    A grande mostra anual do Costume Institute do museu Metropolitan, em Nova York, tocará em um assunto belicoso: a controvertida interseção entre moda e suas representações do universo religioso.

    Mal a organização do MET divulgou a informação e análises da mídia especializada já anunciam a mostra como uma das maiores polêmicas da indústria para o próximo ano. Talvez o maior fiasco.

    É certo que grifes como Christopher Kane, Jean Paul Gaultier e Givenchy já elaboraram pensamentos consistentes sobre a temática, comumente relacionados ao cristianismo; mas o que preocupa é o tipo de curadoria que o museu costuma dar a suas mostras de moda.

    Há pouco espaço para reflexões sobre o papel social da moda nessas exposições, mais focadas em uma ocidentalização dos costumes que, por conseguinte, descambam na apropriação cultural.

    Em 2015, a mostra "China: Através do Espelho" se transformou em fotografia desfocada e avermelhada do país, bem diferente do pretendido retrato da produção de moda asiática.

    Dragões, flores e detalhes da indumentária oriental produziram a incômoda sensação de olhar estrangeiro sobre padrões representados como "exóticos".

    Apesar de o tema ter viés contemporâneo e estar em sintonia com a guerra ideológica que pune, por exemplo, mulheres muçulmanas impedidas de usar o "hijab" na França, não deixa de ser problemática a característica do museu de usar a produção das grifes para destrinchar um discurso.

    Vantagenews.com/theguardian
    Políciais confrontam uma mulher em Nice nesta terça-feira e falam sobre a proibição de burquíni nas praias francesas
    Políciais confrontam mulher em Nice e falam da proibição de burquíni nas praias francesas, em 2016

    Tomando como exemplo o caso do "hijab", não seria surpresa se, em vez de uma peça autêntica, o museu escolhesse uma versão da Dolce & Gabbana, que já lançou véus em suas lojas no Oriente Médio para satisfazer os costumes das clientes locais.

    Um caso envolvendo a Chanel também explica o nível de sensibilidade da questão religiosa. Na coleção de primavera-verão de 1994, a marca colocou a modelo Claudia Schiffer em um vestido no qual se liam frases do Alcorão, livro sagrado do islamismo. O furdunço foi tão grande que a peça teve de ser destruída e tirada dos arquivos da grife.

    O papel da moda, além de criar personagens, também é expor feridas, questionar regras de conduta e, em alguma medida, ressignificar padrões de vestimenta.

    Não se pode, porém, negar a responsabilidade dos designers, das marcas e dos consumidores na distorção de valores sagrados para muitas culturas e religiões.

    Um exemplo mais recente foi o uso da suástica nazista em uma camiseta da marca KA Designs. Com o intuito de dar outro significado para o símbolo do Terceiro Reich, a grife aplicou o desenho sobre uma estampa com as cores do arco-íris, símbolo da luta LGBTQ. Teve de tirar a peça de circulação.

    Teespring.com
    Camiseta com símbolo da suástica remodelada
    Camiseta com símbolo da suástica remodelada

    Ainda que bem-intencionada, a ideia não passa pelo crivo social porque, além de tocar em chagas não cicatrizadas, maquia o lastro de sangue marcado em sua história, mesmo que o símbolo usado por Hitler remeta, em diferentes religiões antigas, a um ideal de paz e boa sorte.

    Além das prováveis representações disponíveis para a mostra do Metropolitan, também não deverá ser menos difícil engolir a imaginação fértil da horda de celebridades convidadas para o baile que precede a abertura da exposição, em 7 de maio de 2018.

    Impossível não esperar a imagem de uma Kim Kardashian ou qualquer famosa de última hora trajada como versão de personagem bíblico ou mulher muçulmana.

    Se depender da criatividade duvidosa apresentada no último baile, cujo tema era o legado da estilista japonesa Rei Kawakubo, o conflito entre sagrado e profano será escancarado sem nenhuma autocrítica.

    pedro diniz

    É especializado na cobertura de moda, do mercado à cultura pop. Escreve às sextas

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