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    Pedro Diniz

    Grifes passam a vender tijolo, fita crepe e clipe por mais de R$ 600

    21/08/2017 16h05

    Até pouco tempo atrás, o primeiro contato com marcas de luxo se dava por meio dos perfumes. O chamado "entrante", aquele que começa a consumir produtos de alto padrão, virou cliente crucial para grifes cujos principais produtos, a roupa e a bolsa, têm preços impeditivos para a maioria das pessoas. Essas mesmas marcas agora desafiam bom gosto e bom senso para expandir a receita.

    Os pequenos poderes expostos nessa feira vão de um tijolo personalizado com o logo da grife americana Supreme, etiqueta "hype" da nova geração, até uma fita crepe da marca homônima do belga Raf Simons, estilista da Calvin Klein e um dos mais incensados da indústria.

    O valor gasto na construção de uma parede de 8 m² com os tijolos de grife daria para comprar um carro de luxo, já que um único exemplar custa R$ 630; seriam necessários 126 peças (ou quase R$ 80 mil) para cobri-la.

    Embalar as caixas da mudança com a fita chique não sairia mais barato. O acessório com o escrito "Youth Project" (projeto juventude) impresso sai por R$ 610 no site da multimarcas inglesa Browns. No desfile masculino de inverno 2018 de Simons, os rolos serviram de aviamento e pregaram as roupas do designer umas nas outras.

    Do ponto de vista semiótico, o lançamento das tralhas parece associado a dois movimentos: o retorno dos anos 1990, quando logomania e letras garrafais dominavam as vitrines, e uma autocrítica dos estilistas quanto à lógica de consumo desmedido que eles ajudam a manter.

    Miuccia Prada, uma das últimas pensadoras do sistema da moda, olhou com ironia a sina pelo poder que as bugigangas satisfazem. O último lançamento da marca foi um clipe, um prendedor de papel (ou de dinheiro?) feito de prata esterlina com o nome Prada gravado e à venda na Barney's, em Nova York, por R$ 600.

    "Agora você pode contar e juntar seus milhões com estilo", parece dizer a estilista italiana, cujas últimas passarelas questionaram com rara desenvoltura crise migratória, poder e feminismo.

    A curiosa relação entre ter, ser e parecer que é própria do jogo da moda é o norte desse manifesto ao avesso. Balenciaga e Jil Sander questionaram os limites do bom gosto e do afã consumista com ideias similares.

    A primeira teria "se inspirado" no modelo de sacola de compras da varejista Ikea para colocar à venda sua versão, uma mala de couro azul e com logomarca, por quase R$ 6.700.

    Na mesma semana de abril passado, lojas virtuais da Europa e o site Alibaba passaram a vender moletons e camisetas com o logo da Ikea. A modinha havia se espalhado.

    Em junho, a marca lançou uma outra sacolinha, de papelão branco, como aquelas distribuídas gratuitamente no ato da compra. O preço, mais modesto que a mala, girava em torno de R$ 3.700.

    Quem foi à feira antes de todo mundo foi a Jil Sander. Marca querida entre fashionistas abastados que gostam mais de ostentar ideias do que produtos, lançou em 2012 um saco daqueles de padaria, só que com ilhoses presas à base e confeccionado com um tipo de papel reforçado.

    Os R$ 580 cobrados por uma peça não espantaram os clientes, porque talvez eles tenham entendido que, no novo contexto do consumo, lixo e luxo podem não ter significados tão diferentes.

    pedro diniz

    É especializado na cobertura de moda, do mercado à cultura pop. Escreve às sextas

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