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    Pedro Diniz

    Sem homens como Daniel Alves, moda ainda seria terno bege de microfibra

    27/10/2017 15h57

    Você, jovem leitor, analise o guarda-roupa. Provavelmente suas calças terão 2% de elastano para deixá-las, se não coladas ao corpo, ao menos rentes a ele. Quando você nasceu, isso era "coisa de sertanejo", assim como as variações de camisa xadrez que só apareciam em festa junina.

    Achou a camisa rosa? Essa aí era coisa de "veado", não é? Era, mas só depois dos anos 1940, viu, porque antes era a cor dos meninos, e o azul, das garotas. Já percebeu como o manto de Maria é azul? Pois é.

    Todos esses códigos aos quais a nova geração economicamente ativa (a tal "millennial") teve de se adequar são fruto de preconceitos do século 20, cuja cartilha impositiva moldou a forma como nos apresentamos e apontamos o dedo para o outro.

    Não foi surpresa, então, que centenas de internautas relacionaram o look do jogador Daniel Alves no prêmio "The Best", da Fifa, na última segunda-feira (23), com figurino de "paquita" –a referência pop mais próxima dos "millennials" brasileiros.

    Segmento mais pujante do consumo de vestuário e cuja curva de crescimento ultrapassou o da moda feminina a partir de 2014, o mercado masculino ainda sofre os efeitos desses preconceitos do século passado, mais visíveis em países da América Latina nos quais a colonização europeia talhou o olhar do consumidor para o que vem de fora.

    O Brasil, nesse contexto, recebe as tendências e as mudanças de comportamento com atraso, rescaldos do que americanos e europeus cravaram como certo e errado.

    Há vários exemplos nas lojas do país: a camiseta "longline", aquele camisão usado por Justin Bieber, é da década passada; o coque samurai, que datou em 2012 na Europa, é coqueluche ente modernos de São Paulo; o paletó "slim", substituído pelas proporções ampliadas e pelo abotoamento duplo nas últimas temporadas de desfiles, é a "nova" moda do varejo nacional.

    A única regra essencialmente brasileira, criada nos trópicos e adotada sem reservas pela maioria, é a sunga. Preta, estampada, branca, transparente, cavada ou ampliada, ela não sai de moda mesmo com a insistência das publicações em empurrar o shortinho de balneário europeu na cabeça do brasileiro.

    Bem-humorado e certo de que sua foto rodaria o mundo tanto quanto as dos parceiros premiados, Daniel Alves optou pelo costume da grife francesa Balmain porque, além de alinhado com o que há de mais atual na bolha da moda, sabe que contratos de longo prazo com marcas de luxo podem render mais dinheiro que o entra e sai dos clubes.

    Não parece coincidência que, no final do mês, ele e o colega Neymar foram ao desfile da mesma Balmain na semana de moda de Paris. Um agrado para os franceses, que levam a coisa da roupa realmente a sério, e para o bolso.

    Atletas são modelos para homens, mais do que os garotos das caras e bocas na passarela. Por isso, a moda investe alto no potencial de vendas do esporte.

    Tommy Hilfiger tem o tenista Rafael Nadal, meio mundo tem David Beckham e Giorgio Armani tem Cristiano Ronaldo –que, aliás, foi de smoking azul "royal" à premiação da Fifa no início deste ano e ganhou salva de palmas da audiência, algo impensável até pouco tempo quando a cor causava dor nos olhos da ala masculina.

    Sem querer ferir a imaginação fértil dos "haters" virtuais de plantão, é muito provável que, cedo ou tarde, o costume bordado de Daniel Alves vire última moda nas festas brasileiras. Seguirá o mesmo caminho do duvidoso terno bordô de Lionel Messi no Bola de Ouro 2014, facilmente encontrado em lojas caras da rua Oscar Freire e no bolo de amostras dos alfaiates da rua Augusta.

    A verdade é que, se não houvesse homens dispostos a encarar o escrutínio alheio, o terno bege de microfibra seria o máximo de ousadia nas prateleiras ainda tomadas de marinho, preto e cinza.

    pedro diniz

    É especializado na cobertura de moda, do mercado à cultura pop. Escreve às sextas

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