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    Pedro Diniz

    Por posição de patrocinador, artistas e estilistas deixam projeto do Masp

    08/12/2017 19h16

    A iniciativa de moda mais ousada da nova gestão do Museu de Arte de São Paulo está ameaçada por questões políticas. A coleção Masp Riachuelo teve baixas significativas.

    A ligação do presidente da Riachuelo, Flávio Rocha, com movimentos e personalidades da direita –a exemplo do MBL (Movimento Brasil Livre), em cujo congresso discursou em novembro último, e o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB)– foi o motivo dado pelos artistas para a debandada do projeto que une artistas visuais e estilistas e que reedita a coleção Masp Rhodia, realizada entre 1960 e 1970.

    Os estilistas Lucas Magalhães e Giuliana Romanno, e suas respectivas duplas, os artistas Sandra Cinto e Iran do Espírito Santo, deixaram a escalação da iniciativa, cujo resultado será exposto em 2020.

    O pintor Caetano de Almeida, que faz par com o estilista Alexandre Herchcovitch, também comunicou sua desistência à direção do museu.

    Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, a Riachuelo "esclarece que respeita a decisão dos artistas que optaram por deixar o projeto" e que "seguirá com os demais artistas e estilistas selecionados para a exposição, prevista para 2020".

    A companhia também afirma que as "opiniões políticas de seus executivos e de todos os seus colaboradores não influenciam suas coleções e parcerias".

    "Sabia desde o início que a Riachuelo patrocinava e fiquei em uma saia justa, sem saber como reagir. Aceitei fazer, mas, depois do que aconteceu com a 'Queermuseu', [mostra sobre sexualidade cancelada em setembro após pressão de movimentos da direita, inclusive o MBL], a situação ficou insustentável", explica Iran do Espírito Santo.

    Espírito Santo diz ter devolvido o adiantamento, de valor não divulgado, pago pelo Masp para o desenvolvimento das peças.

    "Como artista, como posso aceitar parceria de uma empresa que patrocina um grupo que ataca museus e artistas? Não dormiria tranquilo."

    O artista ainda cita entre os motivos de sua desistência uma ação movida pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte, em setembro, que questionava os contratos de terceirizados do Grupo Guararapes, dono da Riachuelo, no Estado nordestino.

    Procurada, a estilista Giuliana Romanno não quis comentar o caso.

    O pintor Caetano de Almeida disse, por telefone, que "não julga pessoas". "Ele [Flávio Rocha] pode apoiar quem quiser, desde que não invada a minha seara."

    Almeida afirma ter enviado a Herchcovitch seus desenhos e disse ao diretor do museu, Adriano Pedrosa, que poderia colocá-lo nos arquivos do Masp, mas sem o uso do seu nome.

    "Essa história é algo pessoal que causou muito sofrimento. Não cobrei cachê, acho a ideia muito importante, mas não quero participar dela."

    Até a publicação deste texto, a artista plástica Sandra Cinto não foi localizada para comentar o caso. Seu parceiro no projeto, o designer mineiro Lucas Magalhães, confirmou a saída de ambos, mas não quis falar sobre o assunto.

    O estilista Ronaldo Fraga, dupla de Ibã Huni Kuin, afirma que continua no projeto e respeita a posição dos colegas, embora acredite que "posições políticas não devam interferir na produção cultural".

    "É um projeto muito importante, que rompe os limites da moda e da arte. Em um período de crise como este, em que a cultura está parada e nada acontece, é importante haver empresas dispostas a investir na arte", diz Fraga.

    VISÕES CONFLITANTES

    Desenvolvido ao longo de três anos, o projeto quer reunir 30 artistas e 30 estilistas brasileiros para criar um mínimo de 60 figurinos.

    A lógica é a mesma da parceria entre o museu e a indústria química Rhodia Têxtil, que a partir dos anos 1960 expôs peças de vestuário concebidas por nomes como Alfredo Volpi (1896-1988), Willys de Castro (1926-1988), Aldemir Martins (1922-2006) e Lula Cardoso Ayres (1910-1987).

    Na versão atual, a cocuradora Patrícia Carta, que não quis falar sobre a desistência dos artistas, montou duplas com expoentes da costura nacional, entre eles Reinaldo Lourenço, Gilda Midani e Andrea Marques.

    O diretor artístico do museu, Adriano Pedrosa, fez a ponte com os artistas visuais, entre eles Beatriz Milhazes, Alexandre da Cunha e Leda Catunda.

    Ainda não se sabe quais artistas plásticos serão escalados para suprir as desistências.

    Por e-mail, Adriano Pedrosa afirma que respeita a posição política de cada um e que compreende o fato de o clima de polarização política influir na realização de projetos artísticos como o Masp Riachuelo.

    "Vivemos em um momento de muitas polêmicas e debates, porém continuamos com nossos trabalhos e projetos, respeitando a opinião e visão de cada um, ainda que algumas vezes elas possam ser conflitantes", disse Pedrosa.

    Leia a íntegra da nota da Riachuelo:

    A Riachuelo esclarece que respeita a decisão dos artistas que optaram por deixar o projeto realizado em parceria com o MASP para o desenvolvimento de uma coleção de moda e afirma que seguirá, junto ao MASP, com os demais artistas e estilistas selecionados. A íntegra da coleção MASP Riachuelo será apresentada ao público em uma exposição, prevista para 2020.

    A companhia informa, ainda, que as opiniões políticas de seus executivos e de todos os seus colaboradores não influenciam suas coleções e parcerias.

    Esclarece, também, que jamais foi autuada por trabalho análogo à escravidão em seus 70 anos. A ação movida pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte alegando subordinação estrutural não se aplica às oficinas cadastradas pelo programa Pró-Sertão e que prestam serviços para a Riachuelo.

    Estas têm total poder de decisão para quais marcas vão produzir, pois são empresas com configuração jurídica própria e autonomia na condução de seus negócios e de seus funcionários.

    pedro diniz

    É especializado na cobertura de moda, do mercado à cultura pop. Escreve às sextas

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