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    Pedro Passos

    O falso antagonismo

    20/12/2013 03h00

    Um dos falsos debates em cena não só no Brasil trata de um suposto antagonismo entre os setores industrial e de serviços, com as participações de ambos em relação ao PIB apresentadas como evidência da decadência da indústria no processo de criação de riqueza, de emprego e de renda. Essa suposição, além de temerária, é precipitada.

    Estudo recente da consultoria McKinsey (Manufacturing the Future: Next Era of Global Growth and Innovation) salienta que a indústria, mesmo onde sua participação no produto encolheu significativamente, jamais perdeu a condição de protagonista do desenvolvimento.

    Embora represente 16% do PIB das economias avançadas, sua fatia relativa nas exportações chega a 70%. Em pesquisa e desenvolvimento, P&D -dois fatores cruciais para impulsionar a inovação e a competitividade-, a participação da indústria alcança 77%. E continua responsável por parcela expressiva do aumento de produtividade (37%).

    A grande constatação do estudo da McKinsey, no entanto, não é que a indústria continua pujante independentemente da redução relativa de seu valor adicionado na formação do PIB. O que se destaca do estudo como importante contribuição para a formulação do desenvolvimento é a comprovação da simbiose entre indústria e serviços.

    Segundo o estudo, 37% dos empregos na atividade fabril nos países avançados são de ocupações típicas de serviços. Nos setores mais inovadores e intensivos em tecnologia, o percentual sobe para 55%.

    O que se extrai desses números é que as fronteiras que separam a indústria e serviços estão se dissolvendo, e a divisão clássica entre eles, se é que existiu, já não atende às atuais demandas da economia global.

    Tais atividades podem ter atributos próprios, mas que se complementam e se alimentam mutuamente. A manufatura potencializa funções imprescindíveis para o avanço da produtividade e a inovação tecnológica, como centro gerador e irradiador de dinamismo em outros setores, notadamente em serviços qualificados.

    Assim, não faz sentido olhar para as duas áreas como estruturas estanques, sem comunicação entre si.

    A análise atenta revela que essa relação já se manifesta com eloquência nas economias mais avançadas. Segundo organizações internacionais, 48% do valor agregado exportado pelos países mais ricos corresponde a serviços, boa parte incorporada nas exportações manufatureiras. A média do Brasil é menor, 36,7%, o que certamente reflete nosso atraso industrial. Mesmo assim, a contribuição da indústria para as exportações de serviços é relevante.

    Os mesmos estudos indicam que, em termos de valor adicionado doméstico, 26% das exportações de serviços são de responsabilidade direta das empresas do setor. Mas percentual muito maior, 65%, resulta de serviços domésticos embutidos nas exportações de bens, sobretudo industriais. Outros 9% se referem a serviços importados.

    Em alguns setores manufatureiros, o peso de serviços é significativo. Na exportação de produtos químicos, equipamentos de transporte, alimentos processados e bebidas, quase um terço do valor adicionado corresponde a serviços. Outros segmentos industriais chegam perto de 30%. Na agricultura, o percentual é bem inferior: 17%. Ou seja, a indústria moderna é uma engrenagem de exportação de serviços.

    A interação entre os dois setores é uma preciosa oportunidade para elevar a produtividade da economia e reposicionar o país no contexto global, demandas urgentes na atual conjuntura. Além disso, bem explorada, ajudará a revigorar a base produtiva e a acelerar o crescimento da produção e das exportações de bens e serviços. O que nos falta são mais investimentos em inovação e maior desenvolvimento dos setores tecnologicamente avançados para aproveitar todo o potencial das sinergias entre indústria e serviços.

    Tal movimento permite ampliar a produção e a exportação de bens com maior valor agregado de tecnologia. É uma via de mão dupla.

    De um lado, o fortalecimento da relação indústria-serviços trará avanços de produtividade e reduzirá custos de produção, o que, em consequência, elevará a competitividade da economia em geral.

    De outro, com maior capacidade competitiva, a indústria poderá alavancar o potencial da atividade de serviços e gerar empregos mais qualificados e mais bem remunerados. Está aí um destacado tema da atualidade para o governo considerar em suas políticas.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

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