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    Pedro Passos

    Intenção e resultado

    25/04/2014 03h00

    Com mercado menos aquecido e produção estocada, o setor automotivo levou ao governo os seus problemas para partilhar as soluções. Não se questiona se a situação desse setor, que movimenta largo pedaço do PIB (Produto Interno Bruto) e é grande empregador, considerando sua inserção no comércio e a rede de serviços que orbita o seu entorno, mereça atenção especial. Ele a tem como poucos outros no país.

    Os incentivos fiscais e tarifários, que fazem da produção de veículos a mais protegida da concorrência externa entre as atividades industriais no país, integram-se ao rol de usos e costumes do setor, assim como o acesso a linhas de crédito especiais. Tais excepcionalidades são antigas e estão, digamos, "climatizadas" ao negócio no Brasil.

    Isso é diferente dos descompassos entre a produção e a demanda, como sugere o setor automotivo, ao pedir compensações ao governo para ajudar a escoar o estoque acumulado. Os ciclos econômicos, com os sobe e desce do mercado, fazem parte da rotina previsível de qualquer negócio e acabam se compensando.

    É preciso, por tais razões, entender melhor o que se passa com o setor automotivo. Nos 12 meses encerrados em março de 2008, antes da crise global, portanto, o mercado doméstico emplacou 2,62 milhões de carros. Nos 12 meses até março último, os emplacamentos cresceram para 3,75 milhões de veículos. O mercado de veículos novos aumentou 43% em cinco anos -período em que a produção física do setor automotivo avançou 23%, segundo dados da Anfavea, a associação do setor, enquanto a da indústria em geral, de acordo com o IBGE, ficou virtualmente estagnada.

    O cenário de crescimento do setor automotivo nos últimos anos, até em razão do incentivo do IPI para impulsionar as vendas (prorrogado sucessivamente antes de começar a voltar gradativamente à alíquota original), não encontra correspondência com a difícil situação de quase toda a indústria de transformação. Na média, ela ainda está abaixo de seu pico de produção, em 2008, embora mantenha praticamente intacto seu nível de emprego.

    A questão a ser refletida é se cabe ao governo intervir nas relações econômicas de um setor já fortemente incentivado, e isso quando há intensa disputa em torno dos recursos de um orçamento de receitas e despesas públicas historicamente deficitário.

    Além do constrangimento fiscal, o governo também deve atentar para não transmitir recados equivocados quanto às prioridades assumidas. Os investimentos em mobilidade urbana e a preocupação ambiental caminham na contramão do transporte individual, já favorecido, também, pelo subsídio da gasolina, que a Petrobras importa a um custo maior que o preço de venda, devido ao receio do governo com a inflação.

    O controle do preço dos combustíveis funciona como um instrumento adicional de incentivo à compra de automóvel, implicando várias sequelas -da saturação dos sistemas viários urbanos à perda de competitividade de um setor que se revelava tão promissor para a produção de energia renovável, como o etanol.

    O fato a considerar é que depois da grande crise de 2008 emergiu forte em todo o mundo a tendência de ponderar qualquer política de incentivo à luz dos benefícios esperados das ações em si, assim como dos efeitos que tais ações acabam acarretando aos vários segmentos da vida econômica e social. É o caso, entre tantos outros, do balanceamento entre os incentivos ao transporte público e o transporte individual.

    As saídas fáceis, além de discutíveis, raramente são as melhores, e menos ainda se o cobertor for curto, significando que tentar resolver com subsídios e incentivos problemas localizados e típicos da conjuntura implica ao governo sobrecarregar outras ações meritórias e até contrariar, eventualmente, diretrizes de longo prazo. Nem falamos do ajuste das contas públicas já em curso e que deve acentuar-se em 2015.

    Com o grau de complexidade das questões econômicas e sociais no Brasil, as decisões desconectadas do grande panorama deveriam ser evitadas, pois tendem a criar disfuncionalidades e privilégios cada vez mais difíceis de justificar.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

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