• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 23:46:00 -03
    Pedro Passos

    O fosso da produtividade

    09/05/2014 02h00

    Professor da Universidade de Princeton, Dani Rodrik, economista turco radicado nos EUA, é um estudioso do desenvolvimento. Em recente visita ao Brasil, ele discorreu sobre um de seus temas prediletos, ao participar de seminário promovido pela revista "Exame": produtividade.

    Sua palestra, que tive a oportunidade de comentar, impressionou pela arguta capacidade de discernir práticas e situações que levam ao encolhimento ou ao progresso da produtividade dos países.

    Em artigo publicado no "Valor Econômico", intitulado "Economias em desenvolvimento", Rodrik abordou questões que suscitam reflexões sobre alguns traços centrais da economia brasileira. De acordo com sua análise, os países em desenvolvimento enfrentam um sério problema, devido à coexistência de padrões de produtividade muito díspares entre diferentes segmentos empresariais.

    O desenvolvimento no passado recente, segundo ele, apoiou-se no aumento da produtividade total, graças à migração de grande parte da força de trabalho para os setores modernos da economia. Nos países hoje desenvolvidos, esse processo teve continuidade com a redução gradual do fosso entre a produtividade dos setores tradicionais e dos mais dinâmicos, associados, no primeiro caso, à agricultura e serviços pessoais, e, no segundo, à indústria.

    Já no caso de vários países em desenvolvimento, disse Rodrik, a mudança estrutural dos ganhos de produtividade tende a assumir uma trajetória cada vez mais perversa, ao passar da indústria para os serviços (prematuramente), de atividades exportadoras para não exportadoras, de setores organizados para os informais, de companhias modernas para as tradicionais e de empresas de grande e médio porte para pequenas. Isso está provocando, avalia, "um atraso substancial do crescimento econômico da América Latina, da África e de partes da Ásia".

    A tese de Rodrik encontra correspondência no setor industrial brasileiro, cuja produtividade está em regressão. Mas, no nosso caso, há diferenças significativas em relação ao que ocorre em outros países emergentes. Primeiro, a eficiência da agropecuária registra intensa evolução. Além disso, o país experimenta mudanças importantes também no setor de serviços. Despontam, em serviços, as atividades de software, de tecnologia da informação, de intermediação financeira, de comércio e de logística. Nelas, o crescimento tem sido vigoroso, com impactos (ainda em processo) sobre a produtividade geral da economia. Por outro lado, embora persistam os serviços de baixa qualificação e pouca produtividade, a tendência é que percam expressão.

    O Brasil poderá escapar do "fosso crescente" de produtividade, conforme o alerta de Rodrik, se preservar o dinamismo de áreas em que já houve grandes avanços (como a agropecuária e os ramos modernos de serviços) e replicar essas conquistas para outras atividades econômicas, em especial para a indústria.

    Entre suas recomendações para enfrentar o problema, uma merece destaque: os governos deveriam criar condições para o crescimento das
    micro e pequenas empresas, estimulando o seu ingresso na economia formal e o aumento de sua produtividade. Aplicada ao Brasil, um primeiro e importante passo nessa direção consistiria em corrigir distorções do complexo e caro sistema tributário. Anos atrás, a implantação do Simples representou um grande avanço. Mas falta aperfeiçoá-lo para induzir as pequenas empresas a crescer e migrar sem traumas para o regime tributário convencional.

    Dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário divulgados pela Endeavor, rede de apoio ao empreendedorismo, dão a dimensão dos desafios dessa transição. A carga tributária pode saltar até 72% a partir do momento em que o faturamento anual de um negócio supere R$ 3,6 milhões.

    Da noite para o dia, o pequeno empresário passa a arcar com impostos como se fosse uma grande corporação. Resultado: só 7,2% dos empreendedores querem deixar o Simples. Isso significa, na prática, abdicar da ambição de expandir o negócio. O motivo é que migrar implica alto risco: 62% das empresas se tornam inadimplentes dois anos depois de mudar de regime tributário.

    Reside aí uma grande barreira ao progresso do Brasil, ao limitar o crescimento empresarial e a acumulação de competências que ensejam maiores ganhos de produtividade.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024