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    Pedro Passos

    Nada além de um pacote

    04/07/2014 02h00

    As recentes medidas do governo para ajudar a tirar a indústria de uma crise que já se prolonga pelo quarto ano constituem um exemplo de como não se deve pautar uma política voltada ao setor. Elas combinam incentivo ao financiamento de longo prazo, prorrogação do desconto tributário na aquisição de veículos e prioridade a produtos e serviços nacionais nos processos de licitação pública.

    Por várias razões, tenho discordâncias em relação ao "pacote industrial". Primeiro, porque, a meu ver, uma política para reanimar a indústria não irá a lugar algum se tomar como eixo principal a distribuição de incentivos e a proteção, que têm alcance limitado para tal objetivo.

    Nada contra o eventual uso de instrumentos dessa natureza, desde que se atenham a uma dimensão auxiliar e temporária e, ainda assim, condicionados à transparência quanto aos seus custos explícitos e implícitos e criteriosa avaliação periódica de resultados. Para se reerguer, a atividade manufatureira precisa de visão de futuro, de novas fronteiras e setores que promovam e disseminem o progresso técnico, a inovação e a produtividade.

    Em segundo lugar, não é válido o argumento de que, nas condições atuais da economia brasileira, os mecanismos adotados sejam suficientes para restaurar a confiança empresarial, incentivar o investimento e recuperar a produção. Em um contexto de forte pressão tributária e baixo crescimento econômico, eles servem, quando muito, de alívio a setores e empresas.

    Mesmo esse alívio tem abrangência parcial, razão pela qual é incapaz de redefinir as expectativas empresariais. Estas estão retrocedendo de forma significativa e progressiva, contaminando o investimento que, por consequência, também declina. É imperativo recuperar a confiança de longo prazo.

    Para isso, porém, as perspectivas quanto à inflação, à situação fiscal e ao endividamento público devem ser reassentadas, sem falar na reconstrução
    das condições para o crescimento sustentado.

    Há também uma questão conceitual a ser levada em conta. Uma das medidas anunciadas, o retorno do Reintegra, seria positiva, caso fosse outra a sua regulamentação. O mecanismo, que vigorou em 2012 e 2013, permite a recuperação de impostos pelos exportadores.

    Ou seja, por mais inconcebível que pareça, ainda existem tributos pagos pelas empresas (a exemplo do ISS, INSS, FGTS e vários casos de PIS/Cofins), que, por seu caráter "cumulativo", não são devolvidos quando a produção é exportada, o que não ocorre em lugar algum do mundo. Isso ajuda a explicar a baixa competitividade do produto industrial brasileiro nos mercados externos.

    Concebido para reparar, em parte, essa distorção, o Reintegra não é incentivo ou subsídio e, por isso, mereceria regra distinta da que se adotou. O governo estabeleceu a fixação ano a ano da recuperação de impostos sobre o valor exportado, de acordo com os movimentos do câmbio. Para 2014, o percentual foi definido em 0,3%, um índice que, para dizer o mínimo, tem pouco efeito sobre as margens de exportação, já que o peso dos impostos não recuperáveis chega a 6% da receita das empresas, segundo a Fiesp.

    Além de insuficiente, o programa apresenta problemas. Como irá flutuar anualmente ao sabor do câmbio, a alíquota não garante previsibilidade necessária para a formação de preços competitivos dos produtos a serem exportados e, assim, não contribui para aumentar as vendas externas, que é o seu intento.

    Um segundo problema reside na instabilidade, pois a alíquota de compensação será definida a cada ano pelo governo, o que dá um caráter de arbitrariedade à medida. É um erro atrás do outro.

    O governo teria dado o sinal correto ao setor industrial se, por exemplo, restabelecesse o Reintegra em bases conceituais adequadas, com regras claras e duradouras, e tivesse adotado uma legislação tributária de estímulo à internacionalização das empresas.

    Quanto ao incentivo à aquisição de automóveis, trata-se de medida inócua, devido à excessiva frequência de sua utilização nos últimos anos. Ademais, dela emana mensagem equivocada, já que incentiva o transporte individual, implicando efeitos adversos sobre o ambiente e a mobilidade nos grandes centros urbanos.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

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