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    Pedro Passos

    Algo positivo no ar

    26/09/2014 02h00

    A troca de farpas, as acusações e as distorções de propostas entre as campanhas eleitorais tomaram o espaço do debate sobre os verdadeiros temas que interessam à sociedade. Isso vale para a segurança, a educação, a saúde e também para as questões da economia. Mas frestas de luz surgem em meio à pancadaria, sob a forma de alguns consensos que poderão facilitar a transição entre a contagem dos votos e o início do próximo governo.

    Essa fase é critica e estratégica. É nela que se formam as precondições para que as mudanças sejam promovidas com a clareza e a firmeza necessárias para o êxito das empreitadas. Todavia, não asseguram o sucesso das iniciativas -função de outras etapas complexas, como a de arregimentação de apoio político e o dificílimo processo de implantação.

    Embora nuvens carregadas ainda preponderem sobre o horizonte de 2015, creio que já avançamos quanto ao menos três temas relevantes para um projeto de reformas.

    O primeiro deles tem a ver com a mudança da política de comércio exterior. O Brasil e seus parceiros do Mercosul se beneficiaram do mercado comum regional, mas o preço da integração implicou nosso progressivo afastamento da dinâmica de crescimento verificada em países desenvolvidos e em vários emergentes graças aos acordos de livre-comércio e de facilitação dos investimentos.

    Neste contexto, ampliaram-se os mercados sem barreiras e foram definidas normas para agilizar e dar segurança às trocas de mercadorias e serviços. Os governos que celebraram bons acordos internacionais foram premiados com aumento dos investimentos industriais e com maior participação nas cadeias produtivas globais. Acomodados em nosso mercado regional e aguardando o desfecho de negociações multilaterais que teimam em não acontecer, assistimos à decadência do Mercosul, o que significou também o ocaso de nossa exportação de manufaturados.

    A consciência de que não há como manter o isolamento, exceto com perdas gravíssimas e talvez irreparáveis para a indústria, parece-me ter avançado de forma importante ao longo do ano. Em recente seminário coordenado pela economista Vera Thorstensen na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, ficou claro que há concordância entre especialistas em comércio exterior, negociadores e empresários sobre a necessidade de início imediato de uma nova política externa.

    O segundo consenso gravita em torno da necessidade de definição de regras claras e simples das legislações tributária e trabalhista, fontes de imensos passivos e de milhões de ações que entopem os tribunais.

    A remoção dos expedientes da chamada "contabilidade criativa" das contas fiscais e a introdução de princípios básicos de transparência e de avaliação das políticas públicas, sobretudo dos incentivos fiscais e financeiros, se inserem neste grupo de providências salutares, e já não são mais tratadas como assuntos de interesse apenas acadêmico.

    É condição civilizatória para o país justo e consequente reclamado por amplas parcelas da sociedade. No meio empresarial cresce o reconhecimento de que o país e a economia só têm a ganhar com tais medidas.

    Em terceiro lugar, o próprio governo já reconhece que as ações mais eficazes são as que beneficiam o conjunto da economia, e não apenas setores e empresas
    selecionados. Em outras palavras, as políticas horizontais devem ter precedência em relação às políticas verticais de incentivos e proteção. Estas têm seu lugar num programa de desenvolvimento, mas precisam de objetivos explícitos e prazos de validade.

    Esses conceitos foram corretamente seguidos pelo governo quando recentemente uniformizou a tributação dos lucros das empresas brasileiras no exterior, eliminando o tratamento especial que favorecia apenas quatros setores da economia. O governo também acertou ao anunciar a igualdade de tratamento na devolução de impostos aos exportadores, por meio do Programa Reintegra.

    Tais mudanças representam passos ainda modestos, mas têm grande significado para quem precisa construir consensos que destravem a economia, removam o pessimismo empresarial e relancem o crescimento.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

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