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    Pedro Passos

    A integral do erro

    13/03/2015 02h00

    A expressão que dá título a este artigo é de autoria do grande empresário Paulo Cunha, profundo conhecedor da economia brasileira. Sirvo-me de sua inspiração para sintetizar algo que a tradição econômica no país tornou insofismável: os graves e frequentes erros de concepção de nossas políticas econômicas resultam em novos erros e são aprofundados por medidas subsequentes que tentam em vão corrigi-los.

    Poderíamos citar como exemplos recentes os casos da descapitalização dos setores elétrico e de óleo e gás, causada pelas tão pretensiosas quanto falhas políticas de contenção de preços e tarifas. Vou, contudo, me ater à chamada "desoneração da folha de salários", uma decisão cujas premissas originais acabaram prejudicadas por equívocos tão graves que medidas pontuais não são capazes de superá-los.

    A arrecadação da contribuição patronal ao INSS até 2011 era inteiramente apoiada na folha de salários, implicando distorções para uma economia que se quer inserida no contexto mundial. Isso se deve à sistemática de a contribuição cumulativa não admitir a compensação dos valores recolhidos como crédito em etapas posteriores de produção.

    Além disso, ela não incidia sobre importações nem era abatida nas exportações. Devido ao elevado valor da contribuição, equivalente a 20% da massa de salários, tal modelo traduzia-se em relevante fonte de encarecimento do produto brasileiro em relação à concorrência estrangeira.

    Fazia sentido, portanto, substituir tal sistema por outro que suprimisse a cumulatividade do encargo, além de viabilizar sua cobrança sobre as importações e descontá-la nas exportações.

    Tais aperfeiçoamentos foram adotados apenas parcialmente no programa de desoneração instituído pelo governo, embora contemplasse a dedução nas exportações e incidisse sobre as importações. O programa ficou inicialmente restrito a alguns setores industriais, conforme a intenção original, que também permitia a neutralidade fiscal na mudança.

    Mas não foi retirada a cumulatividade, já que o encargo sobre a folha foi substituído por uma taxa de 1% a 2% sobre o faturamento das empresas.

    Não foi o único nem o mais grave dos erros cometidos. Dois devem ser destacados. Primeiro, o governo ofereceu um subsídio às empresas que optassem pela mudança de modelo. Segundo, abriu o benefício, progressivamente, a mais de 50 segmentos, muitos deles fora do objetivo central de melhorar a capacidade de concorrência dos setores de bens comercializáveis, em especial daqueles com elevado peso do custo do emprego.

    Com isso, um programa que poderia perfeitamente prescindir de subsídios passou a ter um custo extremamente alto. Não devido à mudança da base de incidência da folha para o faturamento, mas pelo descasamento entre a arrecadação necessária ao custeio do INSS e as novas alíquotas, gerando um deficit estimado pelo Ministério da Fazenda para 2015 em R$ 25 bilhões.

    O setor empresarial pode argumentar que corte de impostos é sempre bem-vindo a uma economia onerada abusivamente pela carga tributária.

    Mas, num momento em que as contas públicas caminham para o impasse, deveria ter sido relevada não a desoneração em si, e sim a importância da melhoria de competitividade que o programa, com ou sem subsídio, permitiria trazer.

    De mais a mais, empresários e dirigentes sindicais que, erroneamente, têm se manifestado contrários às correções propostas ao Congresso devem ter presente as seguintes questões: políticas públicas envolvendo subvenções tributárias requerem avaliação criteriosa do custo fiscal, assim como de seu mérito em relação a outros programas que possam ser executados em favor da economia e do bem-estar social.

    O conceito da "integral do erro", conforme a definição de nosso companheiro Paulo Cunha, deixa seu rastro nesse tumultuado programa. As medidas propostas recentemente pelo governo reduzindo à metade o ônus fiscal da desoneração da folha, nesse sentido, caminham na direção correta, apesar de manter o equívoco da cumulatividade do encargo. Como em outras iniciativas de má sorte, é mais um passivo da conta de erros, distorções e omissões que vai para a enorme fila de espera da oportunidade de uma ampla reforma tributária.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

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