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    Pedro Passos

    Há muito por fazer

    10/04/2015 02h00

    A insatisfação com o desempenho da economia, inclusive do governo –ou não teria mudado as diretrizes econômicas que seguia desde 2011–, mobiliza as atenções, sobretudo para a correção dos desvios fiscais das contas públicas, o que, de fato, é essencial, embora não seja a única das prioridades. Pode-se fazer mais no curto e no médio prazo.

    Confiança na política econômica, por exemplo, pode ser um conceito subjetivo, mas decorrente de percepções objetivas, como a convicção de que o governo e o Congresso estejam genuinamente empenhados em estabilizar a trajetória, hoje fortemente deficitária, do Orçamento federal de gasto e receita com ações que visem mais a racionalidade da despesa pública que o caminho equivocado do aumento de impostos.

    É esse sentimento que orienta as projeções da inflação, do deficit externo e, portanto, da taxa de juros e também da carga tributária, cujo nível corrente da ordem de 36% do PIB é um dos maiores óbices ao crescimento econômico, às exportações e ao investimento.

    O ônus fiscal pode passar de 41% do PIB, se incluídos os custos do deficit orçamentário, que se converte em dívida rolada a juros equivalentes a mais 5% a 6% do PIB.

    Basta essa aritmética dos grandes números fiscais do governo para avaliar a inconsistência da política econômica anterior. É a ela que se contrapõe o programa fiscal já em curso, mas dependente para ser efetivo das medidas enviadas à apreciação do Congresso.

    Os desdobramentos continuam incertos. Por certo, o ajuste seria mais palatável se viesse acompanhado de provisões destinadas a facilitar o caminho da recuperação.

    Há muito que fazer em programas e políticas sem maior impacto sobre as metas do ajuste. Ao contrário, ajudarão a viabilizá-las, ao reforçar o combalido crescimento econômico.

    É o caso da recuperação do caixa das estatais, especificamente as do setor elétrico e a Petrobras. E é também o dos preços relativos da indústria, que desde 2004 comem poeira na corrida com o setor de serviços, peça principal da resistência da inflação e razão de sua competitividade ainda insuficiente mesmo diante da recente depreciação cambial.

    Muitos analistas questionam que o país não está construindo canais para a retomada do crescimento, o que em parte é verdade.

    Mas não é menos verdade que as ações para reequilibrar a macroeconomia trazem oportunidades para revigorar o investimento, graças, em especial, à projetada queda dos juros mais adiante, como resultado do ajuste fiscal, e à perspectiva de melhora na geração de caixa das empresas -fonte, em regra, de mais da metade do custeio dos projetos de expansão.

    Tal cenário será mais rápido ou mais lento, dependendo da firmeza do governo em perseguir um ajuste que contemple a redução do gasto público, e não o aumento de impostos, assim como do apoio político.

    As alternativas não estão mais disponíveis, sobretudo depois que o ciclo de expansão movido pelo boom das commodities e pela expansão do laxismo fiscal e do crédito público se exauriu. O que se criar agora na economia é o que será a nova base de crescimento futuro.

    É nesse sentido que um plano de ajuste desacompanhado de algo mais que valorize as potencialidades da economia soa indefensável. O governo deveria reforçar essa tendência, reabrindo logo as concessões de infraestrutura, assim como chamar o empresariado, incluindo as empresas de capital estrangeiro aqui instaladas, para planejar em conjunto o relançamento das exportações.

    O ajuste de preços relativos (envolvendo tarifas públicas, o setor privado e o ajuste na taxa de câmbio) compõe com as concessões e a facilitação das exportações, sobretudo de bens manufaturados, esse quadro de possibilidades das novas oportunidades na economia.

    Para onde se olhe, há avanços a percorrer. A governança tanto das estatais como da administração do governo, por exemplo, é um campo praticamente inexplorado.

    Serviços essenciais, como saúde e educação, podem ser aprimorados com o uso intensivo de tecnologia e melhorias de gestão. A microeconomia também clama por inovações.

    Uma real virada pela eficiência econômica passa pela qualidade do setor público. São coisas afins. Houve no passado quem lamentasse que "a economia vai bem, e o povo, mal". Hoje, mais que antes, ambas têm de ir bem. É o mínimo que aspiramos.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

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