• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 23:27:33 -03
    Pedro Passos

    Excesso que vicia

    24/04/2015 02h00

    Custos altos e produtividade baixa são duas das mais destacadas causas da frágil competitividade da economia brasileira. Sem romper esse nó, não voltaremos a ser capazes de fazer frente à concorrência externa, a despeito da desvalorização cambial.

    Uma oportunidade para reverter esse panorama está na profunda e criteriosa reavaliação das "políticas de conteúdo local", que lançam mão de incentivos fiscais e de proteção alfandegária para estimular a fabricação de bens que utilizam insumos domésticos.

    O custo decorrente dessa diretriz é significativo, desviando recursos fiscais escassos que poderiam estar mais bem aplicados em programas mais promissores. Além disso, na medida em que os produtos "protegidos" tornam-se mais caros no mercado interno, restringe-se o acesso a eles pelos consumidores.

    Nos casos em que os incentivos são direcionados aos setores de bens de capital e bens intermediários, elevando os preços desses itens, onera-se o custo dos investimentos e da produção no país. E, ao limitar a importação de bens de investimento e componentes, essas iniciativas dificultam e até inviabilizam a absorção de inovações tecnológicas, inibindo melhorias de produtividade e também a exportação.

    Em que situações se justificam as políticas de conteúdo local? Hipoteticamente, quando os incentivos e a proteção tarifária são transitórios, valendo só pelo tempo necessário para consolidar a produção local em bases competitivas com a concorrência externa.

    O objetivo é resguardar a indústria em segmentos que requerem reorientação competitiva ou apoiar o desenvolvimento de setores com tecnologia mais avançada. O ônus, necessariamente momentâneo, será diluído pelos benefícios colhidos ao longo do tempo e sujeitos a um escrutínio sistemático e transparente.

    As políticas de conteúdo local se baseiam no pressuposto de mais elevada competitividade e de diversificação da cadeia industrial. O risco é que os seus custos se tornem permanentes, se os objetivos forem frustrados, seja por falhas de concepção ou porque os fundamentos são superados pela concorrência externa ou pelo progresso técnico.

    É quando se instala um círculo vicioso, no qual a renovação sucessiva de incentivos e proteção tarifária é requerida para sustentar empresas e segmentos inteiros que, do contrário, teriam a sua existência ameaçada. Em muitos casos, já chegamos a esse ponto.

    Em recente publicação, o Iedi adverte que, para ser efetiva, a norma com esse teor deve constituir caso especial, e não regra de política industrial. Não tem sido assim no Brasil. Aqui, tais instrumentos são utilizados em demasia e, por causa disso, se eternizam.

    Pesquisa capitaneada pelo economista americano Gary Clyde Hufbauer concluiu que o país liderou a aplicação de regras de conteúdo nacional entre 2008 e 2013. Foram criadas 117 iniciativas nesse período, das quais 70% nos países em desenvolvimento e o restante no mundo desenvolvido. O Brasil conta com 15 casos, seguido de EUA, com 14, Indonésia, com 12, e China, com 10.

    Além disso, essas políticas carregam, tanto em sua formulação como em sua aplicação, graves problemas. A vigência de incentivos sem resultados satisfatórios, por exemplo, tem se estendido por prazos acima do razoável, como no caso do setor automotivo. Os níveis de exigência de compras no mercado interno também são excessivos na exploração de petróleo e nas indústrias eletroeletrônica e de telecomunicações.

    A amplitude dessas regras é outra distorção. As empresas precisam respeitá-la para fazer jus aos incentivos da Zona Franca de Manaus, ao crédito em determinadas linhas do BNDES e ao sistema de preferência de preços nas compras governamentais.

    Por todas essas razões, já é hora de rever com urgência a política de conteúdo local. É provável, em muitos casos, que se conclua que ela não atingiu os objetivos originais e hoje mais prejudica que ajuda o avanço da competitividade e a diversificação industrial.

    Rever não significa descartá-la sumariamente, mas sim, como nos parece ser a maioria dos casos, reconfigurá-la, sem deixar de eliminar o que perdeu eficácia e o que agrava, em vez de melhorar, nossos lamentáveis índices de custos e de produtividade.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024