• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 19:08:36 -03
    Pedro Passos

    Um gesto de realismo

    11/03/2016 02h00

    Os mais recentes acontecimentos no âmbito da Operação Lava Jato colocaram um sentido de urgência absoluta na solução da crise política que dizima a economia e promete nos levar a um estado além da recessão, ou seja, à depressão. As consequências tornam-se imprevisíveis, inclusive nas relações sociais, que começam a esgarçar.

    Somente uma ampla recomposição política reverterá o quadro alarmante que se desenha nos últimos dias. E, sem a renúncia da presidente Dilma Rousseff, não há possibilidade de construção de um mínimo consenso em torno de medidas urgentes para estancar o esfacelamento político e econômico em curso. Esse é o caminho mais breve, menos traumático e mais seguro para a democracia brasileira.

    O Brasil não pode esperar mais por outras soluções igualmente constitucionais, como o processo de impeachment ou as eleições gerais em 2018. Não se trata com a renúncia de admitir como verdadeiras as acusações que atingem atualmente a Presidência da República –esse papel cabe à Justiça.

    O que deveria mover a presidente é a inconteste falta de condições políticas para conduzir o país neste momento de desafios extremos, tanto no âmbito institucional como no cenário econômico já arruinado por uma das piores recessões da história.

    A presidente teve tempo em seu primeiro mandato para corrigir os erros de política econômica que vinham do passado, mas o consumiu com novos enganos, especialmente ao não saber ou não querer ajustar o gasto público às receitas tributárias, além de tumultuar com mudanças atabalhoadas o regime regulatório de setores como o de energia elétrica, de óleo e gás e de etanol.

    As condições para a reversão não mais lhe favorecem e ficam cada vez menos propícias. Assim, a renúncia não seria um fim em si mesmo, e sim um gesto de realismo que representaria o passo inicial para tirar o país do imobilismo em que se meteu devido ao vazio de liderança e da falta de credibilidade do governo.

    Qualquer saída que não seja essa só dará sobrevida à situação de inoperância do governo que o faz aproximar-se novamente de políticas, principalmente na área econômica, que já se revelaram equivocadas.

    Hoje, as energias do Planalto estão direcionadas para temas que não tocam nas questões mais prementes, a começar pela crise econômica. Como a barragem de detritos que se rompeu em Mariana, traçando um curso de destruição rio abaixo, a desdita econômica, associada com o rompimento dos limites da ética e da moral na gestão pública e na política, só tem produzido destruição.

    A retração de 3,8% do PIB em 2015 foi o pior resultado desde 1990, devolvendo a economia ao patamar em que se encontrava quando Dilma se elegeu presidente.

    O investimento está em queda há dez trimestres consecutivos; a indústria recua há sete trimestres; a inflação se descolou da meta de 4,5% em 2010 e não mais se aprumou; as demissões líquidas atingem 100 mil ao mês, em média.

    Se isso não fosse suficiente, outras variáveis podem deteriorar ainda mais o ambiente negativo. Nas próximas semanas, a crise que ora se manifesta com força, sobretudo no âmbito do Executivo, poderá chegar ao Legislativo com a divulgação dos nomes de parlamentares supostamente envolvidos, segundo investigações da força-tarefa da Lava Jato, em operações ilegais na Petrobras.

    Além disso, o país convive com o risco de convulsões sociais, seja pelo aumento do desemprego e ausência de perspectivas positivas, seja pelo incitamento por parte dos pescadores de águas turvas.

    Nesse contexto, o tempo urge. O quadro é mais feio do que pensávamos, e as fontes de instabilidade parecem inesgotáveis. Se as crises plantam a semente de sua redenção, está nas mãos da presidente tomar a única atitude que pode desencadear o processo saneador, devolvendo aos brasileiros parte da esperança perdida nos últimos tempos.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024