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    Pedro Passos

    Manobra na votação do impeachment lança dúvidas na economia

    09/09/2016 02h00

    Alan Marques/Folhapress
    Senadores comemoram após a votação que afastou a presidente Dilma no senado
    Senadores comemoram após votação que afastou Dilma Rousseff da Presidência da República

    A aprovação do impeachment de Dilma Rousseff removeu o principal fator de instabilidade política que estava instalado no país nos últimos dois anos. Restou desse período uma economia arruinada pelo desarranjo fiscal.

    O afastamento definitivo de Dilma parecia ser o estopim para a reversão desse cenário. Não foi bem o que aconteceu. O Senado emitiu um preocupante sinal de incerteza ao manter intactos os direitos políticos da ex-presidente, contrariando princípio incontroverso da Constituição –a inabilitação para o exercício de cargos públicos por oito anos.

    A decisão à revelia do preceito constitucional, como reconheceram ministros do próprio STF, colocou um incômodo ponto de interrogação diante do quadro institucional do país, incluindo aí as garantias contratuais. Componentes de instabilidade como esse são graves, pois capazes de comprometer o tênue sinal de retomada da confiança verificado nos últimos meses.

    Nada disso é bom para uma economia ainda convalescendo da recessão e necessitada de investimentos para recuperar o dinamismo.

    A confiança sobre a efetiva mudança de rumos no país depende de uma posição firme do Executivo em explicitar um programa e um cronograma de reformas para ajustar as contas públicas e colocar a economia apontada para o crescimento.

    Essa discussão não pode ficar à mercê de conveniências eleitorais. A campanha que aí está é uma oportunidade, e não um obstáculo, para esclarecer a população sobre a necessidade de medidas duras para consertar as coisas no país.

    É preciso também lembrar que o país atravessa uma fase de transição, em que o Legislativo tende a exercer a plenitude de suas prerrogativas. Significa que o Executivo já não terá a supremacia quase absoluta na formulação do ordenamento legal dos temas econômicos e sociais.

    O Congresso Nacional deve assumir maior protagonismo na definição das diretrizes estratégicas habitualmente endereçadas pelo governo. É o que já instrui a Constituição, só não era observado, dado o papel hegemônico do Executivo sobre a atividade parlamentar.

    A democracia sairá fortalecida se, nesse novo quadro, os interesses nem sempre transparentes de grupos específicos não se sobrepuserem aos interesses difusos da sociedade e aos princípios institucionais.

    Essa configuração política implica ao governo rever a forma habitual de encaminhamento de projetos. A articulação e a coordenação para buscar denominadores comuns (como ocorre com a reforma da execução orçamentária e da Previdência) serão mais intensas, com a versão final provavelmente modulada pela discussão parlamentar.

    Esse é o mundo ideal das democracias estabelecidas, do qual parecemos distantes, como mostrou o fatiamento da cláusula indivisível da Constituição na votação do impeachment. Persiste, portanto, a dúvida sobre se o Congresso continuará intimidado e obediente à pressão dos lobbies há muito conhecidos por todos.

    O antídoto contra tal risco está na participação mais ativa e assertiva da sociedade, inclusive dos setores empresariais, apoiando as medidas que levem à modernização da economia e, consequentemente, à consistência de seu crescimento e à solidez das políticas sociais.

    As propostas devem apresentar clareza em seus objetivos, de forma a poder enfrentar os embates em quaisquer fóruns (como o Congresso) sem perder a sua essência transformadora.

    Nada, no entanto, substitui a vigilância de todos para que a ordem institucional não sofra reveses, como sofreu na votação do impeachment. A segurança jurídica, tal como a estabilidade econômica, é condição "sine qua non" para alavancar os investimentos, inclusive estrangeiros, e engatar o desenvolvimento, este, sim, o patrimônio social coletivo que importa zelar e cultivar.

    pedro luiz passos

    É empresário e conselheiro da Natura. Escreve às sextas, a cada duas semanas.

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