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    Por quê? Economês em bom português

    Nem Estado nem mercados são vilões. Por quê?

    20/09/2016 05h00

    Como se vê na Venezuela, desastre é inevitável quando governo ignora importância das duas instituições na economia

    O vídeo abaixo nos ensina muito sobre economia. Nele, o youtuber Andy George faz um sanduíche quase que do zero: planta e colhe alface; viaja ao litoral para coletar água do mar e produzir sal; ordenha vacas para produzir a própria manteiga; colhe trigo para fazer pão; entre outras coisas.

    O processo demorou seis meses e o custo total do sanduíche foi de US$ 1.500!

    Veja só:

    Youtuber Andy George

    O que isso tem a ver com o funcionamento da economia como um todo?

    Nas sociedades modernas, as pessoas alcançaram um nível elevado de especialização: concentram esforços produtivos em algumas atividades (as quais fazem relativamente bem) e não fabricam tudo o que consomem. Na prática, ninguém produz um sanduíche do zero.

    Por exemplo, um professor de inglês. Ele tira seu sustento das aulas que dá, não fabrica a própria roupa ou os cadernos que usa. Seria um enorme desperdício de recursos: deixaria de se concentrar naquilo que faz melhor (dar aulas) e gastaria seu tempo e energia fazendo coisas para as quais não tem aptidão.

    QUAL É O PAPEL DOS MERCADOS?

    Essa especialização só é possível graças à existência de mercados. Eles nada mais são que instituições que permitem que as pessoas realizem trocas.

    No caso do professor de inglês, ele vende seu serviço (aulas) e recebe dinheiro por isso. Com a grana, compra os mais variados bens e serviços que deseja —ele não precisa acordar mais cedo e ordenhar uma vaca se quiser beber leite pela manhã, por exemplo.

    Funciona também na outra ponta: o produtor de leite não vai dar aulas de inglês para seus filhos. Ele, provavelmente, pagará pelos serviços de um professor com o dinheiro recebido com a venda de leite.

    A especialização propiciada pelos mercados leva a uma queda brutal nos custos de produção dos mais diversos bens e serviços. Por exemplo, o professor escolheu essa atividade provavelmente por ser rentável para ele. O ponto é: ele consegue ensinar inglês a um custo mais baixo do que a maioria das pessoas na sociedade.

    O mesmo vale para as mais diversas atividades econômicas.

    A especialização ajuda a derrubar custos também por causa da produção em larga escala. Isso acontece, por exemplo, com os chamados custos fixos. Ou, traduzindo do economês, com custos que independem da quantidade total produzida.

    Por exemplo, o professor tem que preparar sua aula e isso toma bastante tempo. Mas, uma vez preparada, o custo por aula cai à medida que mais aulas são dadas.

    O esforço de preparação é um custo fixo. Quanto mais aulas o professor der, mais ele consegue diluir esse custo —e isso é facilitado pela especialização do professor em seu ofício. Se ele tivesse que ordenhar vacas, teria menos tempo para dar aula e o custo fixo não poderia ser diluído com tanta intensidade.

    Outro ponto importante: a especialização garante acesso a uma variedade maior de produtos na economia. Muitos bens e serviços não seriam inventados caso as pessoas gastassem tempo fabricando sapatos, roupas, pão etc.

    Quanto maior o tamanho do mercado, maior o grau de especialização possível.

    Por que você acha que é nas cidades grandes que encontramos restaurantes das mais diversas nacionalidades?

    ENTÃO NÃO PRECISAMOS DO ESTADO? É ISSO?

    Bom, a essa altura, talvez já estejamos sendo chamados de "neoliberais", "entreguistas", "inimigos do Estado" e por aí vai. Mas a verdade é: apesar de todas essas vantagens listadas, mercados são imperfeitos —e, pronto, agora já há quem possa nos chamar de "comunistas".

    A atuação do Estado é, sim, importante para garantir uma infraestrutura jurídica. Sem isso, as pessoas não se sentem seguras em realizar trocas. E segurança jurídica é fundamental para que mercados floresçam.

    Além disso, o Estado também deve corrigir situações em que os mercados apresentam falhas, como na presença de poder de monopólio ou nas chamadas externalidades negativas - que é quando a decisão de alguém prejudica outras pessoas ou empresas que não tem nada a ver com a história, como o ato de fumar ou o lançamento de detritos num rio. Cabe ainda ao Estado agir de maneira focada na diminuição da pobreza.

    MAS ENTÃO O ESTADO DEVE INTERFERIR EM TUDO?!

    Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. É problemático quando a ação do Estado é desastrada e desestrutura mercados. Especialmente, quando o mercado é visto como um inimigo.

    Todos aqueles ganhos que mencionamos acima (resultados da especialização) acabam comprometidos. Para ter ideia, basta olhar nossa vizinha Venezuela.

    O país hoje tem a inflação mais alta do mundo. A responsabilidade é do governo, que gasta bem do mais que arrecada e imprime muito dinheiro para pagar as contas. E, em vez de resolver o problema na raiz, ataca-se por lá o sintoma: o aumento dos preços.

    No caso, o governo Maduro proíbe que diversos empresários possam elevar preços. Só que eles se defrontam com aumentos substanciais de custos. Essa ação do governo míngua a lucratividade dos negócios.

    Resultado? Desestímulo à produção e às vendas. E começa a faltar de tudo!

    A resposta do governo a isso é ainda pior. Frente à recusa dos empresários em elevar sua produção, o governo venezuelano chega a confiscar seus empreendimentos. E a produção perde ainda mais força assim. Afinal, quem vai querer empreender num mundo como o venezuelano?

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    No vídeo do início do texto, vimos um sanduíche ser produzido a um custo de US$ 1.500 num período de 6 meses. No nosso dia a dia, conseguimos a mesma coisa numa lanchonete quase que instantaneamente e a menos de um centésimo desse custo.

    São os mercados que propiciam ganhos gigantescos como esses para a sociedade —imagine o mesmo para remédios ou outros produtos que salvam vidas. As pessoas podem se especializar naquilo que fazem de melhor, trazer reduções de custo de diversos bens, fora aumentar a variedade de produtos disponíveis aos consumidores.

    O Estado importa, sim, na economia. Como ficou dito, deve combater a pobreza, corrigir falhas e garantir condições para que os mercados se desenvolvam. Mas estado e mercado vistos como inimigos? Essa é a receita do desastre —vide a realidade de quem vive na Venezuela.

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    Especialistas do Porque.com.br traduzem aqui, para o bom português, o economês do seu dia a dia, mostrando que economia pode ser simples e divertida. Escreve às terças.

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