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    Cortar gastos prejudica os mais pobres?

    12/12/2017 02h00

    A sabedoria convencional nos ensina que as atividades do governo exercem importante papel redistributivo. Mais governo significa mais impostos cobrados dos mais ricos e, consequentemente, mais serviços que beneficiam os mais pobres. De acordo com essa visão, cortes nos gastos do governo prejudicam os mais pobres, afinal, indicam redução nos serviços que os beneficiam e permitem um alívio nos impostos pagos pelos ricos.

    Será correta essa análise para o Brasil?

    Estudo publicado pelo Ministério da Fazenda, intitulado "Efeito Redistributivo da Política Fiscal no Brasil", mostra que a "sabedoria convencional" não explica bem o Brasil.

    Grosso modo, o efeito distributivo da política fiscal pode ser observado a partir da comparação do impacto da taxação, de transferências e do uso de serviços ao longo da distribuição de renda.

    Comecemos pelos efeitos da tributação. Um sistema tributário é considerado progressivo à medida que taxa relativamente mais os mais ricos. Praticamente todos os países de economia desenvolvida têm sistemas tributários que demandam relativamente mais recursos dos mais ricos. O Brasil não é diferente nesse aspecto. As duas principais classes de impostos que incidem sobre as famílias brasileiras são os impostos sobre a renda (incluída aí a contribuição previdenciária) e os impostos indiretos.

    O imposto de renda pessoa física (IRPF) é fortemente progressivo. Uma quase totalidade do imposto cobrado sobre a renda pessoa física recai sobre famílias entre os 20% mais ricos, devido à isenção de quem tem renda mensal abaixo de R$ 1.999,18. Já a contribuição previdenciária apresenta uma leve progressividade porque muitos dos mais pobres estão no setor informal e não contribuem, enquanto muitos dos mais ricos contribuem apenas até o teto do salário de contribuição de R$ 5.531,31.

    Entretanto, os impostos indiretos, embutidos nos preços dos produtos, incidem proporcionalmente mais sobre os mais pobres. Esses tendem a consumir uma parcela maior de sua renda, isto é, tendem a poupar menos.

    Quando combinamos os efeitos dos diferentes impostos, o sistema tributário brasileiro é levemente progressivo. Portanto, a sabedoria convencional se aplica moderadamente bem para o lado da arrecadação no Brasil. Um governo que gasta menos aliviaria o fardo tributário das famílias ricas mais do que das pobres, mas não muito mais.

    É no efeito do uso dos serviços e das transferências que a sabedoria convencional fracassa em explicar o Brasil.

    Um dos principais serviços que o governo provê às famílias é a educação pública. Enquanto a escola pública de ensinos fundamental e médio beneficia as famílias mais pobres, aproximadamente 3/4 das matrículas das instituições públicas de ensino superior são de estudantes das famílias na metade mais rica de nossa população. Como o ensino de nível superior é muito mais caro do que o fundamental, o gasto com educação tende a beneficiar mais as famílias da metade de cima da pirâmide social brasileira. Os gastos com saúde são mais pró-pobres que os gastos com educação, mas ainda são concentrados nas partes mais ricas do país - mesmo dentro de grandes cidades, em seus bairros mais abastados. Para que o gasto do governo tenha um melhor impacto distributivo, é necessário gastar mais e melhor no ensino fundamental e expandir o acesso a serviço de saúde de qualidade nas periferias das grandes cidades e rincões distantes dos grandes centros.

    Mas o problema maior para a sabedoria convencional no Brasil são os gastos com transferências. Alguns programas de transferências de renda, como o Bolsa Família (BF) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), atingem os mais pobres e reduzem a desigualdade de condições de vida no país. No entanto, BF e BPC têm impacto muito menor que o maior programa de transferências de renda do governo brasileiro: as aposentadorias e pensões por morte.

    Como as aposentadorias e pensões por morte são ligadas ao histórico de renda dos trabalhadores, tendem a beneficiar mais as famílias mais ricas. Isso não seria um problema, caso as contribuições dos trabalhadores fossem suficientes para cobrir suas aposentadorias –mas isso não é verdade. Muitos se aposentam cedo e recebem benefícios muito superiores às quantias que contribuíram ao longo de sua vida de trabalho.

    Olhando então para tributos, provisão de serviços e transferências, o gasto do governo faz pouco para melhorar o perfil da distribuição de renda no Brasil.

    Para que tenhamos um governo que faz mais para quem mais precisa, precisamos refocar gastos com educação para beneficiar as crianças mais pobres, para que elas se qualifiquem para chegar ao ensino superior; reforçar os programas de transferência como o BF que atingem os mais pobres enquanto reduzimos os gastos com aposentadorias que funcionam como Robin Hood às avessas; e também podemos tornar nosso sistema tributário mais progressivo.

    Enquanto não redirecionamos o governo para fazer mais para mais precisa, a sabedoria convencional não se aplica no Brasil: reduzir o tamanho do governo não prejudica os mais pobres se for feito de forma inteligente. Deixemos o BF em paz, mas cortemos privilégios como a universidade pública gratuita para quem pode pagar e as aposentadorias generosas para servidores públicos.

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