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    PVC - Paulo Vinicius Coelho

    O desmanche

    10/01/2016 02h00

    "Infelizmente, o que eu mais temia aconteceu... É irrecusável!"

    A frase acima foi escrita por Renato Augusto na terça-feira (5), resposta por WhattsApp à pergunta se ele estava mesmo indo para o Guoan, da China. Ele não queria, como indica o advérbio: "Infelizmente."

    Ao mesmo tempo, só vai porque decidiu por livre e espontânea vontade.

    Há uma incrível e maléfica conjunção de pensamentos no futebol brasileiro desde que o êxodo se mostrou inevitável, com a transferência de Zico para a Udinese, em 1983.

    O clube convence-se de que vender é a única forma de se sustentar e o jogador tem certeza de que não pode desperdiçar uma chance deste tamanho.

    Renato Augusto recebe mais de R$ 200 mil mensais, desde seu segundo contrato no Flamengo, em 2007. São quase dez anos. Mas se disser que pretende recusar uma oferta de R$ 2 milhões por mês vai ficar com cara de babaca diante de seu agente, dos dirigentes e de parte da imprensa.

    Lucas Lima recusou.

    Não está em questão se o jogador está certo ou errado. A decisão é pessoal. Renato Augusto, Ralf e Jadson têm o direito de trocar o Corinthians pela China, assim como Lucas Lima tem o livre arbítrio para permanecer no Santos.

    O que se discute aqui é a razão de ser tão difícil os jogadores priorizarem seus planos de carreira, não apenas o dinheiro. Tão difícil ter mais casos como o de Lucas Lima.

    O meia do Santos tem 25 anos e está certo de que pode ter propostas melhores do que as atuais. Jogar numa equipe forte da Europa, ter salário alto, chance na seleção e contratos publicitários que poderiam dar uma quantidade de dinheiro próxima da oferta de Pequim.

    Se jogar a Copa não é mais o sonho de todos os jogadores, é certamente desejo de seus agentes, porque significa mais visibilidade, mais respeito, mais contratos...

    "Infelizmente", os dois melhores jogadores do Campeonato Brasileiro não pensaram assim. Jadson, porque percebeu que Dunga não o quer. Renato Augusto porque julgou, aos 27 anos, ter chances escassas em times como Arsenal, Manchester United ou Bayern de Munique.

    É verdade que as multas de rescisão contratuais eram baixas e o Corinthians ficou exposto a perder seu time inteiro na semana do início de preparação para a Libertadores. O clube poderia se proteger com contratos mais sólidos.

    Isso não mudaria a forma de pensar média do futebolista brasileiro. Com o dólar a R$ 4 e salário de R$ 2 milhões, Renato Augusto, Jadson e Ralf toparam na hora. Se o dólar estivesse a R$ 2,50, talvez alguém recusasse receber "apenas" R$ 1,2 milhão por mês.

    O desmanche coloca o Corinthians numa encruzilhada, mas amplia a dificuldade também da seleção brasileira. Renato Augusto se vai como titular de Dunga, assim como aconteceu com Ricardo Goulart, um ano atrás, na troca do Cruzeiro pelo Guangzhou Evergrande.

    Na China, o nível técnico é muito mais baixo. Também é muito difícil sair do Oriente no domingo, viajar 26 horas e jogar pela seleção na quinta-feira. Não é por preconceito que Dunga convoca pouco quem vai jogar em Pequim. É pela logística.

    O desmanche desta semana é muito grave para o Corinthians. É ainda pior para projetar a sequência do futebol brasileiro.

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    pvc

    É jornalista desde os 18. Cobriu as Copas de 1994, 1998, 2006, 2010 e 2014. Hoje, também é comentarista. Escreve aos domingos
    e segundas-feiras.

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