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    Rafael Garcia

    Saudades do LHC

    20/04/2015 02h15

    Entrar nas instalações do LHC, o acelerador de partículas gigante instalado embaixo da terra na fronteira da Suíça com a França, é uma experiência estranha.

    Depois de passar por uma barreira de segurança em superfície, o visitante desce 100 metros de profundidade por um elevador, e desemboca em uma caverna gigante.

    Há quatro delas no túnel circular de 8,6 km de diâmetro onde o LHC opera. A maior, aquela que abriga o detector de partículas Atlas, é do tamanho de um edifício de quatro andares.

    O Atlas –junto com outro experimento do LHC, o CMS– foi quem descobriu em 2012 o agora famoso bóson de Higgs, a partícula responsável por conferir massa à matéria.

    Quatro andares podem não parecer grande coisa, a princípio, e ninguém mais se impressiona com prédios desse porte desde o milênio retrasado. Mas ficar cara a cara com um quebra-cabeça do tamanho de um prédio cuidadosamente organizado numa miríade de cabos e componentes eletrônicos que compõem o Atlas é realmente impressionante.

    Eu só tive a chance de descer aos túneis do LHC uma vez, há oito anos, antes de a máquina ser inaugurada. Nas outras vezes em que voltei ao Cern, o laboratório que abriga o LHC, o experimento já estava em andamento, e não era permitido descer ao túnel, por causa da radiação.

    Depois de efetivamente inaugurada em 2010, a máquina ficou operando até 2013, quando foi reaberta para aprimoramentos.

    Minha colega Giuliana Miranda contou agora o que os físicos mudaram lá dentro para fazer o LHC rodar com força total. Quase uma década depois, voltando a operar em sua segunda rodagem, a máquina ainda parece exercer o mesmo fascínio.

    FAZENDAS

    Outra coisa que intriga quem visita o acelerador de partículas não está nem no túnel nem nas cavernas dos detectores. São os computadores

    A aparência das unidades que processam as informações coletadas pelo acelerador de partículas também não chega a ser especial. Elas parecem aqueles servidores com cara de refrigerador de porta de vidro, que qualquer empresa grande possui para operar telefonia e redes. Mas a quantidade de computadores conectados ao LHC é simplesmente ridícula.

    São salas e mais salas repletas dessas máquinas, em galpões que alguns físicos chamam de "fazendas de processamento". Parece uma piada sob medida para o LHC, que fica de fato em baixo de fazendas de gado leiteiro e outras propriedades rurais no sopé dos Alpes.

    E os computadores vistos dentro das instalações do Cern são apenas uma fração daqueles que trabalham para o LHC. Uma parcela razoável de dados é enviada para etapas posteriores de processamento em fazendas digitais noutros cantos do mundo. Uma delas fica aqui em São Paulo, no prédio do Instituto de Física Teórica da Unesp, na Barra Funda. Essas máquinas serão responsáveis por analisar uma massa de dados produzida à taxa de 1 petabyte (1 trilhão de bytes) por segundo.

    DESAFIO

    Todo esse poder de processamento é mais do que bem vindo agora, quando a missão do LHC em sua versão turbinada parece mais difícil do que a de detectar o bóson de Higgs, uma façanha que o acelerador realizou a meia potência. Analisando a dança de partículas geradas em mais de um bilhão de colisões que o acelerador promove a cada segundo, cientistas esperam ver agora alguma pista que leve a física para além do Modelo Padrão, a teoria vigente que descreve as partículas elementares e suas interações.

    O LHC ainda deve operar por cerca de mais 15 anos, mas não há nada, porém, que garanta que algo seja descoberto nessa seara. Se isso não acontecer no LHC, a missão deverá ser repassada para o próximo superacelerador a ser construído: o ILC (International Linear Collider), que nem começou a ser construído e talvez não fique pronto antes de o LHC encerrar atividades.

    Ninguém sabe se a ausência de grandes descobertas no LHC –um experimento de US$ 10 bilhões– pode afetar a capacidade de levantar fundos para o ILC –que custaria até US$ 25 bilhões, segundo estimativas iniciais.

    Caso a física de partículas realmente esbarre no obstáculo da viabilidade prática dos experimentos, será que no futuro teremos saudades do LHC? Talvez seja pessimismo achar que sim, mas a resposta para essa pergunta vai depender em grande parte do sucesso da empreitada que o acelerador de partículas assumiu agora.

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