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    Rafael Garcia

    Cai a ficha do aquecimento além de 2°C

    11/05/2015 02h01

    A meta de conter o aquecimento global a um acréscimo menor que 2°C –o limite que se convencionou chamar de "perigoso"– já está saindo do escopo de esperança dos cientistas. Esse processo de desilusão lento e doloroso, que dura no mínimo desde 2009, começa a tomar uma forma mais nítida agora, com a aproximação da cúpula do clima de Paris, a ser realizada em dezembro deste ano.

    Um dos elementos que levam a essa constatação era algo que todos já esperavam: as promessas que os governos nacionais levarão ao ao encontro são insuficientes para colocar o planeta numa trajetória que desacelere suficientemente a temperatura antes de os 2°C se tornarem inevitáveis.

    Em um relatório publicado nesta semana pela LSE (London School of Economics), um trio de pesquisadores encabeçados pelo economista Nicholas Stern mostra que as promessas com que países estão acenando às vésperas do encontro de Paris não está nem perto de ser aquela necessária para evitar que o limite "perigoso" seja atingido neste século.

    Fazendo as contas usando uma série de aproximações, Stern leva em conta que as emissões atuais de CO2 precisam cair dos 48.5 bilhões de toneladas registrados em 2010 para 35 bilhões de toneladas até 2030, se quisermos ter uma chance razoável (66%) de ficar abaixo dos 2°C. As promessas de desaceleração no crescimento de emissões, porém, nem sequer levarão a uma redução. Em escala global, somadas as promessas ou tendências de todos os países, seguimos rumo a um aumento das emissões anuais para algo entre 57,5 bilhões e 59 bilhões de toneladas de CO2 em 2030.

    Mesmo que a humanidade prefira decidir o futuro do planeta no cara-ou-coroa –ou seja, ter uma chance de 50% de evitar o aumento perigoso de temperatura– será preciso que as emissões não ultrapassem os 50 bilhões de toneladas em 2050.

    O cálculo é baseado sobretudo nas promessas (formais ou informais) feitas até agora por Estados Unidos, União Europeia e China, juntos responsáveis por 45% das emissões atuais (tomando 2010 como base). Enquanto EUA e UE prometem cortes tímidos diante da parcela histórica de culpa desses países, que jogam CO2 no ar desde o início da Revolução Industrial, a China promete apenas atingir o pico de suas emissões (parar de crescer) entre 2025 e 2030. Nada de corte até lá.

    Isso significa que esse bloco de países, aquele que tem peso geopolítico para tentar pressionar o resto do mundo a fazer sua parte, não está ele próprio fazendo a lição de casa. O montante de emissões atribuído ao trio EUA-UE-China cairia apenas de 21,1 bilhões toneladas de CO2 para 20,9 bilhões em 2030, na melhor das hipóteses. O mais provável é que suba até pelo menos 22,3 bilhões.

    O ÚLTIMO A CHEGAR PAGA A CONTA?

    Essa situação só se encaixa num cenário otimista se o resto do mundo somado derrubar suas emissões de 26,2 bilhões para cerca de 15 bilhões de toneladas de gás carbônico até 2030. É de uma esperança ingênua, para não dizer risível, que as promessas a serem apresentadas pelos outros grandes emissores antes da cúpula de Paris sejam o bastante para fechar a conta. O encontro seria crucial para colocar o planeta numa trajetória adequada de controle da temperatura, porque um acordo internacional de redução de emissões deve ser assinado ali.

    Países em desenvolvimento têm uma clara tendência de aumento das emissões. O Brasil, por exemplo, que ainda não disse o que pretende fazer no período pós-2020, tem uma trajetória de aumento de 1,6 bilhão de toneladas (2010) para 2,3 bilhão (2030), conforme estimativa de Stern. Se a diplomacia do governo Dilma pretendesse alguma coisa mais ousada que isso, provavelmente já teria se antecipado em declarar.

    Os países que ainda estão escondendo as cartas sobre o que pretendem para a cúpula de Paris, se não provarem o contrário logo, são aqueles em situação politico-econômica mais desfavorável para desacelerar emissões. Segundo Stern, numa trajetória econômica inercial, só a Índia veria suas emissões subindo de 2,8 bilhões para 5,1 bilhões de toneladas de 2010 até 2030.

    DOURANDO A PÍLULA

    Esse cenário global deprimente está deixando alguns cientistas impacientes com o discurso de que a meta dos 2°C ainda está ao alcance. Para Oliver Geden, especialista em política climática do Instituto Alemão de Relações Internacionais e Segurança, os cientistas precisam parar de traçar cenários implausíveis e têm de dizer aos políticos que eles falharam em atingir a meta.

    "O quarto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática), publicado em 2007, declarou que as emissões deveria começara a cair em 2015 para que o limite de 2°C permanecesse ao alcance", escreveu o pesquisador nesta semana, em artigo na revista "Nature". "Mas o quinto relatório do IPCC, divulgado no ano passado, menciona níveis de emissões em 2030 mais altos que o de hoje e que ainda estariam compatíveis com o limite."

    Geden é duro nas críticas sobretudo com cenários que incluem a possibilidade de usar "emissões negativas" no futuro para compensar o atraso na redução de emissões, algo que iria requerer o uso de CCS, uma tecnologia ainda não consolidada para captura e armazenamento de carbono, ou o plantio de uma floresta maior que a Índia.

    JOGAMOS A TOALHA?

    Se a humanidade já falhou em conter o aquecimento a 2°C, então, é hora de desistir de cortar emissões e liberar os combustíveis fósseis? Nesse caso, vale a máxima de que nada é tão ruim que nunca possa piorar.

    O teto de 2°C, claro, foi estabelecido com uma certa arbitrariedade. Ele foi concebido na década de 1990, quando ficou claro que um aquecimento limitado a isso deixaria a humanidade dentro de um escopo de temperatura que tinha precedente ao menos nos últimos 12 mil anos. Isso evitaria alguns impactos mais temidos com eventos climáticos extremos como secas e tempestades, além de manter o aumento do nível do mar a um mínimo manejável.

    Talvez seja agora o caso de estabelecer como nova meta um aquecimento de 3°C, para evitar que o planeta volte a ser como era no Plioceno, há 3 milhões de anos. Naquela época, não existiam geleiras no hemisfério norte, o nível do mar era 25 metros maior e o clima era regido por um "El Niño" permanente. Um cenário assim pode ser mais convincente na hora de convencer governos a fazerem alguma coisa, mas seria otimismo esperar isso. O mais provável é que uma meta de 3°C sirva de desculpa para a humanidade passar mais duas décadas procrastinando, sem empreender os cortes de emissões necessários para atingi-la.

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