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    Rafael Garcia

    Cinco quarks para Mr. Gell-Mann

    27/07/2015 02h00

    Pouca gente se lembra de ter aprendido as equações que descrevem a força gravitacional na escola, mas o modo básico com que a gravidade funciona todo mundo conhece. Quanto mais distantes dois corpos estão no espaço, menor é atração entre eles. O mesmo acontece com outro tipo de força, o eletromagnetismo –uma moeda no chão não sente a atração de um ímã distante, mas basta aproximá-lo para que a força magnética aumente consiga erguê-la. Mas e se fosse ao contrário?

    Uma força que funciona dessa maneira bizarra, aumentando com a distância, em vez de diminuir, já é conhecida dos físicos, e é responsável por unir os núcleos dos átomos que nos formam. Conhecida como "força nuclear forte", ela mantém unidos os quarks –as partículas elementares que formam os prótons e nêutrons dos núcleos dos átomos. Assim como o eletromagnetismo é mediado pelo fóton (a partícula de luz), a força nuclear forte também tem sua própria partícula transmissora, o glúon.

    O glúon, porém, é uma criatura estranha se comparado ao fóton. Para começar, ele possui massa (não consigo nem imaginar o que seria uma luz "pesada"). E ele é em parte o responsável pelo comportamento estranho dos quarks. Dentro de um próton existem três quarks unidos por glúons, que atuam como elásticos frouxos amarrados a essas partículas. Tente afastar os quarks, porém, e o glúons frouxos tensionam, puxando o quark de novo para dentro. Quanto mais se afasta o quark, maior é a força de atração. Conhecida como liberdade assintótica, essa é a maneira estranha com que se comporta a força nuclear forte que rege o comportamento dos quarks.

    FÍSICA E LITERATURA

    Os quarks ganharam o nome que têm hoje em razão de uma passagem literária do temido "Finnegans Wake", de James Joyce, romance cheio de neologismos que o físico Murray Gell-Mann estava lendo em 1964 quando trabalhava com a ideia dessas partículas. "Três quarks para Muster Mark" era um verso proferido por cisnes para um dos velhos que seguiam a jornada de Tristão e Isolda, citada no livro. Gell-Mann, que antes usava seu próprio neologismo "kwork" para se referir a suas partículas imaginárias, achou engraçada a coincidência da palavra relacionada ao número três e resolveu adotar a grafia de Joyce.

    A teoria que descreve o comportamento dos quarks, a cromodinâmica quântica, de fato tem uma preferência pelo número três, o que é estranho dentro de um Universo que parece gostar de propriedade aos pares. Para nos orientarmos no espaço: vamos para a direita ou para a esquerda, para frente ou para trás, para cima ou para baixo. Quase toda matemática pode ser reduzida a um código binário, e a carga elétrica de uma partícula física, por exemplo, pode ser positiva ou negativa.

    Os quarks, porém, possuem uma carga de "cor" que vem aos três: vermelho, verde e azul. As partículas não são, claro, coloridas de verdade, mas possuem uma característica quântica intrínseca que aparece em três diferentes modos. Para que o próton do núcleo atômico seja estável, ele precisa abrigar um quark de cada uma das três cores. Quarks também aparecem em três "gerações" diferentes, cada uma num par mais pesado que outro, compondo seis "sabores" diferentes. E mesmo saindo do domínio exclusivo dos quarks, todo o zoológico de partículas elementares descobertas até hoje se encaixa dentro de três diferentes tipos, de acordo com suas propriedades quânticas, batizadas com os nomes de férmions, léptons e bósons.

    Mas esqueçamos um pouco os nomes estranhos que os físicos usam para classificar partículas; é notável a preferência pelo número três na teoria que as descreve. Físicos sabem que é assim porque uma infinidade de experimentos comprovaram a ideia, mas não sabem muito bem por que o Universo foi criado assim.

    RUMO AO HEXA?

    Apesar de os quarks se agruparem preferencialmente em trios, já se sabia que eles podem existir aos duos em partículas de vida curta chamadas mésons –comumente formadas dos estilhaços de raios cósmicos que se chocam com a Terra. Em 2003, surgiu a primeira suspeita de quarks agrupados aos quatro, os "tetraquarks", no acelerador de partículas de Tsukuba, no Japão. E agora, no início do mês, físicos do acelerador de partículas gigante LHC, em Genebra, anunciaram a descoberta do "pentaquark", cinco quarks agrupados em uma mesma entidade!

    Teria Gell-Mann se inspirado na frase de Joyce se ele tivesse visto esses agrupamentos maiores de quarks? E há um limite? Físicos encontrarão o "hexaquark" no futuro? Ninguém sabe ao certo. Essas formas estranhas são todas instáveis –decaem para outras partículas em frações de segundo–, por isso tetraquarks e pentaquarks não compõem a matéria ordinária que nos forma. Mas o estudo desses conjuntos bizarros são de grande valor para os físicos, pois muitas vezes é analisando comportamento raro que a ciência consegue entender a física das coisas ordinárias.

    Físicos ainda não sabem responder muito bem, por exemplo, por que nunca se viu um quark sozinho na natureza. Há teorias coerentes baseadas em evidências experimentais sobre a liberdade assintótica, mas a matemática ainda não fechou totalmente as contas. O Instituto Clay de Matemática, de Oxford, oferece um prêmio de US$ 1 milhão para quem solucionar o chamado problema de Yang-Mills, ligado a esse e outros quebra-cabeças da física quântica. É difícil saber de onde pode vir a resposta, mas investigar o pentaquark e o tetraquark, talvez, ajude a inspirar alguma ideia.

    ECLIPSADO POR PLUTÃO

    A comemoração dos físicos do LHC pela descoberta do pentaquark passou quase despercebida na internet, pois o anúncio foi feito no mesmo dia da passagem da sonda New Horizons por Plutão. Aficionados por ciência estavam mais preocupados em ver uma foto do planeta-anão do que com qualquer outra coisa.

    O fascínio pelo distante e exótico, porém, é complementar à curiosidade que objetos tão próximos nós quanto os quarks podem despertar. Afinal de contas, há uma infinitude deles dentro de cada pessoa, nos átomos que nos compõem. Essa intimidade, porém, não veio ainda acompanhada de uma compreensão completa do comportamento dessas estranhas partículas. O preenchimento dessa lacuna no conhecimento tem o potencial no futuro de trazer histórias tão surpreendentes quanto as belas imagens que Plutão revelou agora.

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