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    Raquel Landim

    Levy, não rasgue os seus princípios

    21/08/2015 02h00

    Ao justificar o pacote de socorro ao setor automotivo em meio ao ajuste fiscal, o ministro Joaquim Levy (Fazenda) afirmou que são "linhas de crédito de mercado", "operações comerciais comuns de apoio aos fornecedores".

    É verdade que os fabricantes de autopeças procuram os bancos todos os dias para antecipar o dinheiro que vão receber das montadoras, transformando esses recursos em capital de giro.

    A garantia da operação é sólida, porque são recebíveis emitidos por grandes empresas. Não é diferente de qualquer desconto de duplicata feito em todo o Brasil.

    Mas, se é tão simples, por que utilizar o Banco do Brasil e a Caixa nessas operações? Nesses tempos bicudos, os bancos privados estão ávidos por dar crédito a clientes de baixo risco.

    A única resposta é que esses recursos serão subsidiados, oferecendo taxas de juros menores do que as praticadas no mercado.

    Sem dinheiro para incentivar diretamente a compra de carros, seja via IPI ou redução de juros ao consumidor, o governo tenta atuar no início da cadeia, esperando que as empresas repassem o menor custo do crédito para o preço do carro.

    Duvido que vá funcionar, mas até concordo que é uma intervenção muito mais tênue no mercado dos que disparates praticados na era Mantega, que levaram o país à situação em que está. A questão é de princípios.

    O governo já anunciou que, depois do setor automotivo, vai ajudar outros segmentos: agricultura, construção civil, petróleo e gás. Com exceção da agricultura, os demais enfrentam problemas sérios, mas o restante da economia também.

    Ninguém nega a importância desses setores, mas não são nem de longe a maioria. Serviços, por exemplo, é 70% do PIB.

    Não faz sentido dar crédito barato a alguns setores, enquanto o BC eleva os juros para conter a inflação, encarecendo o crédito de todas as empresas e das pessoas físicas.

    Em tempos de Selic alta, esses subsídios só serão possíveis, porque os bancos públicos vão captar dinheiro no FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que recebe juros baixos e acumula um rombo em suas contas. Na prática, é o empregado financiando o patrão.

    E qual é a lógica de correr o risco de reduzir os lucros e, portanto, o pagamento de dividendos de BB e Caixa para a União num momento de aumento de impostos? Alguns setores vão economizar, enquanto aumenta a conta para todos.

    O titular da Fazenda sabe de tudo isso. A sensação que dá é que parece assustado com o tamanho da recessão, que superou todas as estimativas e caminha para uma queda de mais de 2% do PIB. Por isso, vai cedendo a pressão política para "fazer alguma coisa". Esse é um caminho perigoso.

    Por favor, ministro, não rasgue os seus princípios. O Brasil precisa da sua credibilidade para sair do buraco.

    raquel landim

    Jornalista formada pela USP, escreve sobre economia e política às sextas-feiras.

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