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    Raquel Landim

    Incompetência ou ordens da chefe?

    21/01/2016 14h59

    Credibilidade é um ativo intangível, difícil de ganhar e fácil de perder. Muitas vezes a maneira com que você toma uma decisão interfere muito mais na sua credibilidade do que a decisão em si. Foi o caso da manutenção da taxa de juros, Selic, pelo Banco Central na noite de quarta-feira (20).

    Havia bons argumentos para baixar ou elevar os juros e não se tratava de uma decisão fácil. A inflação está desancorada e fechou acima de dois dígitos no ano passado. Deve ultrapassar o teto da meta este ano e talvez até em 2017.

    Os preços administrados não estão caindo tanto quanto esperado após o choque de 2015 e os dissídios salariais continuam robustos por conta da recomposição da inflação passada. Tudo isso justificaria a alta da Selic para tentar manter as expectativas sob controle.

    Por outro lado, o prognóstico de 2016 repetir 2015 e registrar uma retração entre 3% e 4% no PIB e estimativas negativas até para 2017 tornam fácil imaginar uma onda de desemprego nos próximos meses que justificaria a manutenção da Selic ou até sua queda.

    Até mesmo economistas ortodoxos, por conta do descontrole de gastos do governo, começaram a duvidar da eficácia do aumento de juros e defendiam que não adianta nada sem um ajuste fiscal. Seria como secar gelo.

    Alexandre Tombini, presidente do BC, e seus diretores passaram semanas dizendo que estavam comprometidos com a meta de inflação —nem que fosse em 2017— e reafirmando a eficácia da política monetária.

    Todas as suas manifestações e documentos sinalizavam para um aumento de 0,5 ponto da Selic. Foi assim até a já tristemente famosa nota de Tombini na terça-feira falando das estimativas negativas do FMI para o Brasil.

    Ao manter os juros estáveis, o Copom alegou, mais uma vez, que foi surpreendido pelo cenário externo, por conta da desaceleração da China e da queda dos preços do petróleo —nada que já não soubessem semanas antes.

    A história parece uma repetição de 2011, quando o BC deu um "cavalo de pau" na política monetária e começou a baixar os juros na marra, dizendo que a crise europeia era mais forte do que se imaginava. A atitude detonou a credibilidade do BC e os investidores passaram a duvidar da queda da inflação no longo prazo.

    Naquela época, esta colunista ouviu de um ministro próximo da presidente Dilma que o BC tinha que baixar os juros, porque se tratava de uma promessa de campanha. A conversa ocorreu dias antes da decisão do Copom e me deixou perplexa, porque absolutamente ninguém falava em queda de juros.

    Na última semana, os jornalistas mais bem informados de Brasília já sabiam e publicavam que o Planalto preferia que o BC não subisse os juros para não prejudicar ainda mais a atividade econômica. Assessores palacianos diziam que a atitude seria contraproducente num momento em que o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tenta estimular o crédito via bancos públicos (um erro também já cometido no passado e agora repetido).

    É impossível não deixar a dúvida no ar: Tombini é incompetente na sua comunicação com o mercado ou não tem autonomia e obedece às ordens da presidente Dilma? Só essa dúvida já é suficiente para desancorar as expectativas de inflação, provocar mais desvalorização do real e agregar ainda mais turbulência a situação econômica brasileira.

    Seja por incompetência ou por falta de autonomia para ocupar o cargo, Tombini deveria pedir demissão. Sob condição de anonimato, economistas experientes dizem que já existe um "custo Tombini", que deixa as taxas de juros mais altas do que deveriam.

    O problema é se a troca iria adiantar alguma coisa, porque a presidente Dilma parece ocupar os cargos de presidente do BC, ministra da Fazenda, ministra do Planejamento, chefe da Casa Civil....

    raquel landim

    Jornalista formada pela USP, escreve sobre economia e política às sextas-feiras.

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