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    Raquel Rolnik

    Tóquio e a forma de adensar a cidade

    DE SÃO PAULO

    28/07/2014 03h00

    Antes de aterrissar em Tóquio, onde estive na semana passada, o que povoava meu imaginário era a cidade ultradensa, de letreiros multicoloridos em movimento. Eu ainda não sabia que Shibuya, Shinjuku, assim como outros locais ultra vibrantes da cidade, foram produto de um longo e contínuo processo de "redevelopment" (literalmente, redesenvolvimento) conduzido pelo governo da cidade. A Tokyu Corporation, uma companhia de desenvolvimento urbano local, é a responsável por planejar e implantar parte do sistema público de transporte sobre trilhos e reurbanizar porções da cidade.

    Para evitar o super congestionamento da área central, Tóquio desenvolveu uma estratégia de criação de subcentros, estruturados a partir de entroncamentos de grandes linhas de trem e metrô. O interessante deste processo é que a mesma corporação que constrói as novas linhas também conduz a reurbanização de toda a área.

    Além disso, ao invés de desapropriar a região onde será implantada a linha, a empresa –ao longo de anos e às vezes décadas– vai adquirindo terrenos do entorno da área de interesse, enquanto os preços estão baixos e o projeto ainda não anunciado, tornando-se uma das principais proprietárias de imóveis na região.

    Quando decide implantar a nova linha, promove então o chamado "land redevelopment" constitui um fundo imobiliário dos proprietários de imóveis na área, que podem ser amalgamados em um ou mais terrenos, demole algumas edificações, recebe investimentos imobiliários, para depois, devolver parte aos proprietários originais –sob a forma de apartamentos, espaços comerciais ou escritórios nos novos empreendimentos e parte a ser entregue para o investidor imobiliário que obterá lucro graças as unidades excedentes, geralmente obtidas pelo aumento da área construída no local.

    Uma parceria com a Urban Renaissance Agency, empresa nacional pública de produção habitacional, permite que parte da área residencial produzida na operação seja destinada para uma população de rendas mais baixas. Os espaços residenciais e comerciais que não são destinados para os antigos proprietários são comercializados e os recursos arrecadados com a venda e o aluguel contribuem para financiar a extensão dos metrôs e trens, ao mesmo tempo que toda a operação traz novos usuários para as linhas e estações implantadas.

    Como tudo na vida real, nem tudo são flores no modelo: muitos bairros resistem às operações arrasa-quarteirão, questionando a destruição de locais que tinham qualidades urbanísticas; embora os antigos proprietários ganhem necessariamente um lugar no novo empreendimento, moradores –principalmente locatários– acabam sendo expulsos para os subúrbios em função da grande valorização da área. Enfim, várias são as sombras desta forma de adensar a cidade.

    O que me chama atenção –pensando é claro nas nossas vicissitudes– é que, em um dos países de mais forte economia de mercado –o Japão– é o poder público que planeja, implementa e embolsa uma boa parte dos lucros imobiliários decorrentes do adensamento da cidade. E infraestruturas públicas de massa –como o incrível sistema de metrôs e trens japoneses são a essência deste planejamento. Só para comparar....

    raquel rolnik

    Escreveu até junho de 2016

    É arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

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