• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 11:52:29 -03
    Raquel Rolnik

    Sobre Minhocão e parques

    DE SÃO PAULO

    06/10/2014 03h00

    Desde a aprovação do novo Plano Diretor, os debates sobre o futuro do Minhocão se intensificaram. Isso porque o plano prevê "a gradual restrição ao transporte individual motorizado no elevado" e "sua completa desativação como via de tráfego, sua demolição ou transformação, parcial ou integral, em parque".

    O Minhocão como via expressa para carros está, portanto, com os dias contados; o debate então tem se concentrado no seu destino: demolir ou reformar a via, transformando-a em parque elevado? Infelizmente, esse não é o principal dilema que o Minhocão, seus usuários e a população da cidade enfrentam hoje.

    Virar parque não resolve o impacto que aquela estrutura monstruosa causa nas ruas que percorre -que viraram uma espécie de subsolo- nem nos prédios em volta. Enfim, não soluciona o problema urbanístico daquele lugar. O elevado atravessa bairros residenciais e mistos da cidade, que se degradaram com sua presença; e mais: ajudou a promover o esvaziamento residencial desses bairros. Sua desativação coloca, então, antes de mais nada, a necessidade de retomar a função residencial da região, lembrando que hoje moradores de menor renda vivem nessa área graças à sua desvalorização. Aliás, a notícia do parque elevado já fez subir as expectativas de preços de imóveis no entorno...

    Por outro lado, o projeto de derrubada do Minhocão impõe a necessidade de um plano urbanístico que considere alternativas de circulação leste-oeste e a absorção do fluxo que hoje passa pela via, com transporte coletivo de alta capacidade. Que alternativas seriam essas?

    A questão não é, portanto, demolir ou fazer parque, mas sim pensar em uma intervenção na região que recupere a qualidade ambiental e urbanística, melhore a mobilidade na cidade e seja capaz de preservar a presença dos atuais moradores e de atrair novos.

    É verdade que São Paulo precisa de parques locais. Urgentemente. Acabamos de ganhar um, no Butantã, o parque da Chácara do Jockey, terreno que pertencia ao Jockey Club e que a prefeitura resgatou para a cidade através da dação em pagamento de parte das enormes dívidas em impostos que o Jockey tem com o município. Pode ganhar outro, o parque Augusta, última área verde vazia em um bairro central que sofreu um boom recente de lançamentos imobiliários.

    Assim como no caso da Chácara do Jockey a prefeitura não precisou desapropriar o terreno para evitar que mais uma gleba se transformasse em torres, é possível evitar esse destino no caso do parque Augusta. Como o Plano Diretor recém-aprovado classificou esse terreno como Zona Especial de Preservação Ambiental (Zepam), o potencial construtivo da área -se não utilizado no próprio terreno- pode ser transferido para outro local da cidade. Os proprietários podem aproveitar essa transferência para construir em outros imóveis próprios ou mesmo vender o potencial.

    Assim, a cidade ganha, a prefeitura não tem que gastar milhões de reais para desapropriar e o proprietário, embora deixe de obter o lucro esperado com uma grande operação imobiliária no local, não perde o valor econômico do terreno. Ao contrário do Minhocão, que requer soluções urbanísticas mais complexas, temos condições de ganhar já outros parques, como o parque Augusta!

    raquel rolnik

    Escreveu até junho de 2016

    É arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024