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    Raquel Rolnik

    Prédios vazios, cumpra-se a lei!

    03/11/2014 02h00

    Quem anda pelo centro de São Paulo se revolta com a quantidade de prédios vazios há anos, degradando um dos locais de melhor urbanismo da cidade. A indignação é maior ainda diante da crise habitacional que enfrentamos.

    Finalmente a prefeitura decidiu cumprir o que está na Constituição desde 1988, por meio de um decreto que regulamenta a função social da propriedade. Se continuarem como estão, esses imóveis receberão sanções.

    Na prática, o dono do imóvel vazio ou subutilizado será notificado e terá um ano para utilizá-lo. Se for construir ou reformar, esse é o prazo para apresentar o projeto. Se nada fizer, ele começa, a partir do segundo ano, a pagar IPTU mais alto.

    O decreto estabelece os procedimentos e prazos de todas as etapas de um processo que inicia com a notificação e que pode resultar, no sétimo ano, em desapropriação do imóvel pelo valor venal, com pagamento em títulos da dívida pública (em vez de dinheiro).

    Esse decreto regulamenta o que já está definido na Constituição, no Estatuto da Cidade, no Plano Diretor e em lei municipal de 2010. Não é qualquer imóvel vazio ou subutilizado que está sujeito a sanções, apenas aqueles que não cumprem com a missão estabelecida no Plano Diretor. Em área de preservação ambiental, por exemplo, a mínima ocupação é uma bênção para a cidade. Mas em plena avenida São João, área que o

    Plano pretende repovoar e onde estão situados 24 dos 78 imóveis que serão notificados na primeira leva, definitivamente prédios vazios não estão cumprindo sua missão.

    Proprietários descontentes tentarão guerrear nos tribunais. Para eles, não interessa se o uso que estão fazendo de seus imóveis pode ter efeitos nefastos para a cidade. A expectativa de lucros futuros -o que chamamos de "especulação"- é o que importa...

    Na primeira leva de imóveis notificados, vários estão ligados à implementação das Zeis, áreas destinadas à moradia social. A ideia é produzir moradias nesses locais.

    Mas, para isso, a prefeitura tem que ter um programa específico, com formas de gestão e financiamento que hoje não tem. Infelizmente, as prefeituras do Brasil hoje apenas "rodam" o programa Minha Casa Minha Vida, cujo modelo único é a construção massiva de unidades em regime de propriedade privada condominial, totalmente inadequado para promover a reforma de prédios e sua destinação para quem mais precisa.

    País nenhum consegue oferecer moradia bem localizada para população de baixíssima renda por meio da casa própria. Em Montevidéu, a prefeitura repassa imóveis para cooperativas habitacionais, que os disponibilizam para as famílias com usufruto permanente. A propriedade é das cooperativas, a quem os moradores pagam cotas mensais para cobrir custos de reforma, construção e manutenção. Na Escócia, na Holanda e na Áustria, as moradias sociais são propriedade de "locadores sociais" -cooperativas ou instituições privadas sem fins lucrativos que as alugam para quem necessita, mobilizando subsídios públicos.

    São Paulo avança ao implementar instrumentos que ajudam a disponibilizar imóveis bem localizados para a produção de moradia, mas isso não basta. Terá também que criar um programa habitacional que viabilize a utilização desses prédios e supere o modelo da casa própria nas periferias sem urbanidade.

    raquel rolnik

    Escreveu até junho de 2016

    É arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

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