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    Raquel Rolnik

    Prioridades nos gastos públicos em tempos de crise

    15/06/2016 14h14

    Diariamente somos bombardeados com notícias de que a crise econômica, entre outros efeitos, diminuiu drasticamente a arrecadação dos governos, implicando em cortes nos gastos públicos.

    As crises recentes enfrentadas em São Paulo –como os graves problemas das escolas públicas estaduais, a greve na USP (Universidade de São Paulo), as panes quase diárias nos sistemas de trens na metrópole– estariam, em tese, associadas a estas necessidades de corte e às difíceis escolhas de prioridades neste contexto.

    Esta semana refleti sobre esse tema quando participava de uma banca de doutorado sobre o Metrô e suas opções de investimento ao longo da história. A discussão girava em torno dos critérios das escolhas realizadas para definição das linhas e os desafios para a implementação de um sistema que, até hoje, embora se denomine "Metrô" (abreviação de metropolitano) e esteja sob o controle do governo do Estado, circula apenas na capital.

    Comentávamos na banca sobre as idas e vindas de uma proposta de ligação do sistema com Guarulhos (Grande SP), a segunda cidade mais populosa do Estado, e as dificuldades do sistema da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) de ganhar maior qualidade em todas as regiões da metrópole que atende. Foi quando um dos participantes da banca chamou a atenção para o fato de que o Orçamento do Estado de São Paulo para a área de transportes vem caindo, enquanto o de uma área como a segurança pública vem aumentando ano a ano.

    Resolvi, então, examinar os números oficiais do Orçamento do Estado para 2016. Primeira surpresa: a previsão de receita do governo estadual para este ano –de mais de R$ 207 bilhões–, proposta no final de 2015, quando já estava claro que enfrentamos uma crise econômica, é maior que a dos anos anteriores. Ou seja, os recursos estaduais não exatamente despencaram, embora certamente não tenham crescido, considerando a inflação e eventuais erros de previsão.

    Examinando então os gastos previstos –que é onde podemos identificar as prioridades–, de fato, o orçamento da segurança pública, com quase R$ 25 bilhões previstos para 2016, cresce sem parar, enquanto outras áreas têm previsão de receitas reduzidas em relação aos anos anteriores.

    A maior parte do orçamento da segurança pública é destinada ao policiamento (cerca de R$ 17 bilhões), mas chama a atenção o fato de que o volume de recursos investido somente no sistema penitenciário (R$ 4,3 bilhões) é maior do que o de áreas como cultura (R$ 822,5 milhões), desenvolvimento social (R$ 928,5 milhões), habitação (R$ 1,6 bilhão) e saneamento e recursos hídricos (R$ 1,8 bilhão). O orçamento da segurança pública é muito próximo ao da educação e maior que o de uma área fundamental como a saúde, que conta com R$ 21,3 bilhões de acordo com o orçamento de 2016.

    Na área de transportes, nota-se que os investimentos no Metrô sofreram uma queda de mais de 20%, considerando o que foi realizado em 2015 e o que está previsto para 2016 (de R$ 3,9 bilhões para R$ 3,1 bilhões). Também os investimentos na CPTM sofreram cortes: R$ de 1,77 bilhão para R$ 1,63 bilhão.

    Analisando esses dados, que estão disponíveis no site da Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão, a pergunta que não quer calar é: por que os gastos em policiamento e no sistema penitenciário são a grande prioridade do governo Geraldo Alckmin (PSDB)? Isso reflete uma lógica que prioriza a repressão e punição, minimizando a importância de investimentos em áreas fundamentais para o desenvolvimento humano, como saúde, educação, habitação e cultura, cujos efeitos na segurança certamente são muito maiores que o da repressão e o do encarceramento.

    A crise das escolas públicas, onde faltam condições básicas para um ensino-aprendizagem de qualidade, e das universidades públicas estaduais, onde muitos funcionários, estudantes e professores estão em greve; o lentíssimo ritmo de expansão da rede de transporte coletivo de massas, que faz com que os sistemas do Metrô e da CPTM operem com muitos problemas de superlotação e desconforto para os usuários, sem contar o alto custo da tarifa; a grave crise habitacional que atinge especialmente a população mais pobre são apenas alguns exemplos que mostram os efeitos das escolhas de prioridade do governo. Mais do que nunca, em momentos de crise, é necessário discutirmos abertamente a priorização dos gastos públicos.

    raquel rolnik

    Escreveu até junho de 2016

    É arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

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